terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Poesia da Relatividade


1905 é considerado um ano milagroso com relação à nossa compreensão de nossa existência. É o Annus Mirabilis, em que Albert Einstein produziu pelo menos três grandes artigos para a revista Annalen der Physik, principal publicação científica da europa à época. Os artigos abordaram diversos segmentos da física: o efeito fotoelétrico (a propriedade corpuscular da luz), abrindo caminho para física quântica; o movimento browniano, produzindo evidências empíricas do real do átomo; e a célebre relatividade especial, definindo a estrutura básica do espaço-tempo. Estes foram escritos pioneiros no desenvolvimento da física contemporânea, tendo uma importância histórica fora do comum; Einstein (Umapedra, em alemão) ganhou o prêmio Nobel em 1921 pelo trabalho sobre a luz, e a sua Teoria da Relatividade é tão famosa que lhe rendeu fama o suficiente para tornar-se pesonagem de história em quadrinhos.
Uma das passagens mais interessantes de sua carreira sem dúvida é sua concepção (parto) da Teoria da Relatividade, tanto Especial quanto Geral. Mas o que foi que Einstein fez para revolucionar nossa compreensão e o próprio universo, na medida em que as implicações de sua descoberta podem intervir no físico? Como se dá esse processo de abrir uma fechadura do mundo físico com o uso da linguagem?
Dois insights, como dizem, foram os determinantes que abriram comportas do universo.
O primeiro diz respeito à velocidade da luz. O dinamarquês Ole Roemer mediu a velocidade da luz. It begs the question: como isso foi possível, e ainda em 1676? "Se você observar as luas de Júpiter [com um telescópio], perceberá de tempos em tempos que elas desaparecem do campo de visão porque passam por trás do planeta gigante. Estes eclipses das luas de Júpiter deveriam ocorrer a intervalos regulares [velocidade de órbita constante], mas Roemer observou que os eclipses nem mesmo eram homogeneamente espaçados. As luas de alguma forma se aceleravam e desaceleravam em suas órbitas? Ele tinha uma outra explicação. Se a luz viajasse a uma velocidade infinita, então nós, na Terra, veríamos os eclipses a intervalos regularea, exatamente ao mesmo tempo em que ocorressem como os tique-taques de um relógio cósmico. Já que a luz atravessaria qualquer distância instantaneamente, esta situação não se alteraria caso Júpiter se movesse mais para perto ou para longe da Terra."
"Imaginemos, agora, que a luz se desloca a uma velocidade finita. Neste caso, veremos cada eclipse algum tempo depois que tiver ocorrido. Este atraso dependo da velocidade da luz e da distância de Júpiter até a Terra. Se Júpiter não alterasse sua distância em relação à Terra, o atraso seria igual para todo eclipse. Entretanto, Júpiter às vezes se move mais para perto da Terra. Em tais casos, o "sinal" de cada eclipse sucessivo tem uma distância cada vez menor a percorrer e, portanto, chega progressivamente mais cedo do que se Júpiter tivesse permanecido a uma distância constante. Por razões análogas, quando Júpiter está se afastando da Terra, vemos os eclipses progressivamente mais tarde. O grau desta chegada e atrasada depende da velocidade da luz e isto nos permite medi-la. Foi o que Roemer fez. Ele percebeu que os eclipses de uma das luas surgia mais cedo nas épocas do ano em que a Terra estava se aproximando e mais tarde nas épocas em que a Terra estava se afastando, e ele usou esta diferença para calcular a velocidade da luz." (HAWKING, Stephen. Uma Nova História do Tempo) Este foi o procedimento para se medir a velocidade da luz.
Duzentos anos depois, James Clerk Maxwell descobriu que há um vínculo entre as forças elétrica e magnética ao qual deu o nome de força eletromagnética, porque "cada carga e corrente elétrica cria um campo no espaço circundante que exerce uma força sobre toda outra carga e corrente localizada nesse espaço" (Ibid.), ou seja, magnetismo e eletricidade são dois aspectos da mesma força. E suas equações previram ondas no campo eletromagnético que se deslocariam a uma velocidade fixa: a velocidade da luz! Concluiu-se assim que a luz é uma onda eletromagnética de comprimento de onda (distância entre dois pontos mais altos) específico, assim como as ondas de rádio, raios X, etc.
Mas o fato de uma onda eletromagnética ter uma velocidade fixa não se ajustava com a física newtoniana, o pão nosso de cada dia: as velocidades dos objetos são relativas, dependem do referencial. Por exemplo, se estou andando a 5 km/h dentro de um trem se movimentando a 100 km/h, para um observador fora e que vê o trem passar, minha velocidade será de 105 km/h - a soma das velocidades. Mas para um observador lá dentro a velocidade é de 5 km/h, já que ele também se movimenta com o trem. Qual é então a minha velocidade: 5 ou 105 km/h? Assim, de acordo com as famosas leis de Newton, a velocidade depende do sistema de referência em que é medida: de dentro ou de fora do trem. Então ficou um problema: a velocidade da luz variava, como queria Newton, ou era fixa, como queria Maxwell?
Para resolver a questão, foi suposto que, como toda onda, a luz deveria ter um meio de propagação, tal como ondas do mar, ou ondas no ar, por onde a fala se transmite. Chamaram-na éter. E sua velocidade variaria caso de dentro do éter alguém se aproximasse da luz. Mas ela permaneceria fixa com relação ao meio, o éter. Para testar a existência desse meio, em 1887, mediram a velocidade da luz num ponto da órbita em que a Terra se aproximava do sol e em outro em que a Terra se afastava do sol. Descobriram que a velocidade era a mesma! Como poderia ser? Isso contraria o pão nosso de cada dia. No experimento do trem, a velocidade é relativa. Mas se a velocidade da luz for fixa isso implica que se eu observo uma lanterna apontando pra frente, dentro do trem e cujo feixe é paralelo à linha, não se somam as velocidades da luz da lanterna e a do trem. A velocidade continua a ser a da luz. Isso arruinava a teoria do éter, que vários cientistas tentaram salvar, sem sucesso, e dava força à ideia de Maxwell.
Então houve o evento Einstein; ele rechaça definitivamente o conceito de éter. Seu postulado fundamental, que reverteu completamente a cabeça dos físicos foi de que as leis da ciência deveriam ser as mesmas para todos os observadores que estivessem se movimentando livremente, sem importar a sua velocidade. Isso já era conhecido desde Newton; porém Einstein ampliou o postulado para incluir a teoria de Maxwell. Isso quer dizer que é necessário que a velocidade da luz seja fixa, no lugar em que 'leis da ciência' ocupa no enunciado do postulado; todas as pessoas têm que medir a mesma velocidade da luz.
Dentro do trem (na experiência), se um jogador de basquete quicar uma bola para cima e para baixo, um observador a seu lado não verá deslocamento da bola, enquanto que para um observador externo a ver o trem passar verá a bola se deslocar o que o trem andou enquanto ela estava no ar. As distância entre os observadores também discordam. Lembrando Newton, a distância percorrida é igual à velocidade vezes o tempo. A única maneira de manter a velocidade da luz constante, para ambos os observadors (postulado fundamental) numa variação da distância (tal como acontece com a bola de basquete) é variando o tempo. Em outras palavras, Enstein trocou a relatividade da velocidade em Newton por uma relatividade no tempo, devido ao absolutismo experimentalmente demonstrado da velocidade da luz. Isso implica que o espaço e o tempo dependem entre si reciprocamente, uma vez que podemos medir distâncias com o tempo que a luz leva de um ponto a outro do espaço; é o princípio daquele sistema de medida que chamamos ano-luz. Outra consequência é a seguinte: nada pode se movimentar à velocidade da luz, exceto as ondas eletromagnéticas, que não têm massa, no vácuo. Isso porque, de acordo com a equivalência entre massa e energia (E=mc2 significa a quantidade de energia produzida se matéria fosse convertida em radiação eletromagnética), a energia cinética oriunda do aumento da velocidade aumentaria a massa do corpo à medida em que ele recebesse mais energia cinética. Dessa forma nenhum objeto com massa pode atingir a velocidade da luz porque, segundo os cálculos, sua massa se tornaria infinita, o que demandaria infinita energia para atingir tal ponto. Por isso, nada pode se mover mais rápido do que a velocidade da luz.
Assim, este foi o primeiro golpe de Einstein: relativizar o que era absoluto (o tempo) ao absolutizar o que era relativo (a velocidade [da luz] newtoniana).
Esta é a teoria especial da Relatividade. Especial porque ainda não estava completamente acabada: Einstein precisava demonstrar como conciliar a relatividade - ou seja o fato de que a maior velocidade possível é limitada e fixa - e a gravidade newtoniana, que afirmava que a atração entre os corpos é instantânea. Por exemplo, se o sol desaparecesse de repente, para Einstein a Terra só poderia sentir qualquer efeito desse desaparecimento após o tempo necessário para que esse efeito cruzasse a distância entre os dois corpos. Como nada pode se movimentar mais rápido do que a luz, isso levaria cerca de oito minutos. Mas, para Newton, a força de atração entre a Terra e o sol desapareceria instantaneamente, ou seja, a velocidade da transmissão da informação do desaparecimento do sol seria infinita. Isso contrariava a teoria, pois a teoria de Einstein impedia que algo pudesse viajar mais rápido que a luz.
Após uma longa busca, dez anos depois Einstein atingiu seu ápice. Ele conseguiu conciliar a relatividade e a gravidade, porém irremediavelmente subvertendo seu ídolo Isaac Newton. A Teoria da Relatividade Geral foi que deu o golpe de misericórdia nas concepções tradicionais do universo. Surge o segundo evento de genialidade do físico.
Segundo rumores, Einstein olhava pela janela do seu escritório de patentes (onde trabalhava), de frente para um prédio, quando se deu conta de algo absolutamente impressionante. Ele imaginou um homem caindo do prédio que  observava, e percebeu que o homem não estaria sentindo seu próprio peso. Em seguida, imaginou este homem caindo, porém dentro de um elevador que também caía com ele, à mesma taxa. E entendeu que o homem estaria flutuando dentro do elevador, como se a gravidade houvesse sido desligada.
Imagine que há uma pessoa flutuando dentro de uma caixa cúbica no espaço sideral, onde não há gravidade, longe de qualquer campo gravitacional. Desse ponto de vista, não há em cima, em baixo, etc, pois está-se longe de qualquer referencial. Suponha então que de repente, a caixa (pode ser um elevador, um foguete) comece a acelerar constantemente (não se sabe pra qual lado, pois não há referência). Essa pessoa será empurrada pela aceleração - tal como somos 'puxados' em um carro que arranca - e 'cairá'. Esse puxão a levará para um dos lados da caixa e ela continuará caída lá se a aceleração continuar. Se essa pessoa ficar em pé, ela ficará presa àquela parte da caixa; e se soltar de sua mão uma maçã, essa maçã também será puxada para o mesmo lado da caixa em que a pessoa está em pé, tal como se ela estivesse parada dentro de sua casa na Terra e deixando a maçã cair. Isso quer dizer que há uma equivalência entre estar em aceleração constante e estar sob o efeito de um campo gravitacional constante! Em outras palavras, se você estiver em pé sobre uma caixa totalmente fechada na qual não se pode ver o que está fora dela, é impossível saber se se está em repouso num campo gravitacional, como a gravidade da Terra, ou em aceleração em um lugar com gravidade zero, no espaço sideral onde não há nenhum outro objeto que possa fazer gravidade (ver imagem). Se isso for verdade, há equivalência entre massa inercial (a massa na segunda lei de Newton, 'ação e reação', que determina o quanto se acelera em resposta a uma força) e a massa gravitacional (a massa na equação da gravidade que determina quanta força gravitacional se sente). "O motivo disto é que, se os dois tipos de massa forem iguais, então todos os objetos num campo gravitacional cairão à mesma taxa, não importando qual a sua massa. Se esta equivalência não fosse verdadeira, então, sobre a influência da gravidade,  alguns objetos cairiam mais rapidamente que outros, o que implicaria que você poderia distinguir entre atração da gravidade e aceleração uniforme, em que tudo cai realmente com a mesma taxa." (HAWKING, ibid).
Mas o que causa essa aceleração? Como a gravidade empurra as massas? A aceleração precisa de que algo exerça força sobre o corpo. Aí vem a genialidade dedutiva de Einstein: é o próprio espaço! A massa de qualquer objeto deforma o espaço à sua volta e o espaço empurra o objeto, dando-lhe aceleração. Uma certa quantidade de matéria em uma determinada região do espaço curva-o, e ele causa a aceleração da matéria. Quer dizer, a gravidade não é uma força, mas a curvatura do espaço-tempo que produz a 'queda' dos corpos no que os acelera.
Einstein, naquele momento em que observava o prédio, imaginou um homem caindo. Dentro do elevador ele flutuava da mesma forma como se estivesse no espaço, fora do elevador. O princípio de equivalência foi o principal determinante da Teoria da Relatividade Geral; ele implicava que, além do espaço, o próprio tempo sofreria ação da gravidade.
Imagine um foguete em repouso no espaço sideral (não há aceleração e nem graviadade), e por comodidade, esse foguete tem o comprimento tal que a luz leva um segundo para ir de seu topo até a base. Há um observador no topo (OT) e um na base (OB), cada qual com seu relógio, os quais clicam a cada segundo. A cada clique do relógio, OT pisca sua lanterna, imediatamente. Quando OT pisca, OB recebe a luz um segundo depois (de acordo com o relógio de OT). Neste momento OT pisca outra vez. OB, em seu relógio, recebe o segundo sinal um segundo após receber o primeiro.
Imagine agora o mesmo foguete no espaço, porém em uma aceleração constante, se movendo 'para cima' (apenas por convenção, pois não há referência). Como o foguete se move, quando o observador do topo piscar, a luz levará menos de um segundo para chegar ao da base, por ter que percorrer menor distância. Um segundo após ter piscado, OT pisca de novo, e como o foguete está mais rápido (pela aceleração), a luz chegará ainda mais rápido a OB do que antes (para ambos os relógios). Ou seja, OB medirá menos de um segundo entre as piscadas que recebeu de OT, apesar de OT ter enviado os sinais no intervalo de um segundo. Até aí não há surpresas, porque o foguete se movimenta com aceleração.
No entanto, o princípio de equivalência propõe que não há diferença entre aceleração e gravidade. Então se tomarmos a mesma situação, porém com o foguete parado na superfície do planeta, o princípio prevê que o mesmo efeito ocorrerá! Eis a consequência da operação mental de Einstein: quanto mais forte a massa gravitacional, maior será o efeito de distorção temporal acarretado por ela. Em outras palavras, a função do tempo (e a de espaço) é adscrita à intensidade de campos gravitacionais. Isso generaliza a relatividade para todo o âmbito do espaço-tempo, inclusive o gravitacional, daí seu nome. Em 1962 ela foi confirmada por um experimento com relógios de alta precisão localizados no topo e na base de uma torre de água.
O que realmente aqui nos interessa nessa ótima história são simplesmente os dois princípios fundamentais, que determinaram (atenção a essa palavra) o acesso a um real da estrutura do universo.
Kant se perguntou “o que dá pra saber?” e deu uma resposta bem filosófica, o que não nos é importante no momento. Mas a pergunta é interessante, pois como é que Einstein pôde saber os seus dois postulados? Como eles puderam ser formulados e ainda agir sobre a natureza?
A resposta de Lacan é que se nos adequa mais, por levar em conta a descoberta dos fatos do inconsciente: “nada que não tenha a estrutura da linguagem, de todo modo, donde resulta que até onde irei dentro desse limite é uma questão de lógica”. Lógica aqui é para ser definida de acordo com o pensamento de Lacan: “o inconsciente decorre do puro lógico, em outros termos, do significante”, o que me leva a supor que a lógica é a própria lei do significante, ou seja, que real, simbólico e imaginário são os três registros que fundamentam o que é lógico. MD Magno adscreve esses registros à lógica da superfície de Möebius, em que o direito e o avesso (o Um e o Outro significante) podem interagir sem passar por uma borda. Mas passa-se por uma neutralidade, onde é indiscernível se se está no direito ou no avesso, que foi chamada de ponto bífido ou revirão, ponto este que conduz à orientação oposta.
Então, quero, junto com Lacan e Magno, definir o real como essa neutralidade em que o significante perde momentaneamente o sentido, porém imediatamente caindo no seu oposto, o Outro significante, assim avessando o sentido dotado àquele significante até então. É isso que se pede de uma psicanálise.
O Simbólico (do grego sym bálou, lançar junto) é “aquilo que chamei de Sexus, força explosiva (de cisão, Spaltung), do real em seu Retorno, fundadora de bifididade” (MAGNO, Escólios.) É a separação entre o um e o outro, o fato de existirem diferenças – vale lembrar que Lacan definia a lei do simbólico como a lei da diferença, pois cada significante é um significante somente na medida em que vale para um outro. Só há diferença a partir de uma oposição.
O Imaginário é essa vontade de ajuntar tudo numa coincidentia oppositorum, de condensar os opostos em uma coisa só; força implosiva, erótica, do real, e que forma os sintomas (tal como Freud dizia que o sintoma era uma formação de compromisso entre dois instintos opostos). O sintoma vem imaginariamente ocupar a neutralidade do significante ao doar-lhe sentido pela sua articulação simbólica.
E o Sintoma é qualquer formação sobredeterminada e consistida pela interação dos três registros: a partir de uma neutralidade que equivoca um significante (real), esse significante opõe-se a si mesmo, passa a Outro (simbólico) e deposita seu sentido lá (imaginário). O sintoma é uma configuração simbólico-imaginária do real.
Repetindo: o que aconteceu com Einstein e que o levou a formular dois dos mais importantes princípios de que se tem notícia?
Lacan o disse com todas as letras: “Nós precisamos do equívoco. É a definição da análise” (Seminário 25 – O Momento de Concluir, 1ª aula). É isso que visa uma interpretação psicanalítica: desconstruir o sentido do sintoma através da sua neutralização; levar o sintoma ao indizível do nonsense para que o espaço para um novo sentido a esse sintoma irrompa e faça com que o inconsciente seja responsável pela redução do sintoma (LACAN, Seminário 22 – R.S.I., 1ª aula).
Freud afirmava categoricamente a sobredeterminação do sintoma. Lacan também, no que os significantes o determinavam, chegando a mesmo dizer: “nenhum acaso existe senão em uma determinação de linguagem, e isso, sob qualquer aspecto que o conjuguemos, de automatismo ou de casualidade” (Escritos, p. 907). Ora, o equívoco se dá ‘por acaso’, e é por isso que não se faz análise apenas em divã; pode-se estar sentado num buteco e equivocar um sintoma com o qual se debate há muito tempo no consultório, como já me ocorreu. Mas isso soa paradoxal: o acaso é determinado? O dicionário diz que acaso é o indeterminado. Como podemos dizer que o acaso se determina?
MD Magno se pergunta como pode ser possível escapar da sobredeterminação do sintoma, quer dizer, como podemos reduzi-lo pelo próprio inconsciente. “A única saída, se houver, é trazer um significante novo, ou seja escapar da sobredetrminação trazendo de volta para dentro do campo da determinação um determinante novo que, de novo, o sobredetermina” (De Mysterio Magno). É uma resposta genial. Mas como isso ocorre? “Toda e qualquer determinação está inscrita em uma ordem opositiva [tal como o direito e o avesso da banda de Möebius]. O terceiro [a neutralidade, paralém das oposições, do revirão] não tem marca da sobredeterminação. Trata-se então de uma re-combinatória pela introdução, no campo da sobredeterminação, de um determinante que lá não estava, e que o sujeito não inventou. Ele apenas fez o expediente de, pressionado justamente para o lugar do tal determinante – que era, vamos dizer assim, ex-cêntrico à sua questão – ir à sua posição terceira e retornar com o avessamento dele – o que cria outra vez duas possibilidades de significação” (Ibid.). Essa inserção de uma nova determinação no campo da sobredeterminação é o que Magno chamou de Hiperdeterminação, a referência à neutralidade que retorna para o seio das oposições como o oposto do que foi hiperdeterminado. “E, com esta referência, na indiferenciação das ‘internalidades’ opositivas [...], temos condição de passar a conceber, se não mesmo perceber, o que para nós não estava presente para o entendimento de nossa história – pelo menos isso” (A Psicanálise, Novamente).
Quero, então, supor que o ato de postulação dos dois princípios da relatividade – o princípio da constância da velocidade da luz e o princípio de equivalência – são atos psicanalíticos, que subvertem as significações comuns em vigor num certo campo de sobredeterminação quando de sua referência hiperdeterminante. Einstein faz POESIA com o postulado newtoniano de que as leis da ciência devem ser válidas para todos. Ora, se a velocidade da luz é uma lei da ciência, tal como foi observado, é necessário submeter o tempo ao equívoco, quer dizer, relativizá-lo (tanto enquanto significante quanto fisicamente), dando-lhe assim um novo sentido. Isso é da mesma ordem de uma interpretação, pois Einstein teve que esburacar a noção comum de tempo para poder introduzir-lhe um significante novo. “A interpretação, emiti, não é interpretação de sentido, mas jogo com o equívoco” (LACAN, A Terceira).
Isso fica ainda mais claro no princípio de equivalência, que é realmente um exemplo princeps do que deve ser uma interpretação. Durante a observação do prédio, em algum ponto daquela cadeia de raciocínio, Einstein neutraliza a significação newtoniana da gravidade para imediatamente dar-lhe o sentido de aceleração. E esse acaso suposto na fortuidade de seu insight é o uso que Einstein faz do recurso disponível (mas não obrigatório) da Hiperdeterminação da sobredeterminação da significância da gravidade, que a avessa em aceleração, assim reconfigurando radicalmente esse campo de sobredeterminação até então vigente no pensamento mundial: Einstein interpretou o mundo todo, tal como o fizeram Copérnico, Darwin, Freud, e etc. Todos os cientistas concordam que o maior raciocínio de Einstein foi o ato do princípio da equivalência; um verdadeiro milagre para a humanidade.
Esse ato, essa ruptura que roça momentaneamente a indiferença, é da ordem da poesia, e Miller nos diz porque: “O último ensino de Lacan tende a aproximar a psicanálise da poesia, ou seja, de um jogo sobre os sentidos sempre duplos do significante. Sentido próprio e sentido figurado, sentido léxico e sentido contextual, isso é o que a poesia explora para, como diz Lacan, fazer violência ao uso comum da língua” (O Último Ensino de Lacan – Opção Lacaniana no. 35). Lembrando que só há passagem de um sentido a outro, quer dizer, só há poesia quando da ação do real, cuja função é, pela via da neutralidade instantânea, produzir a recombinatória que hiperdetermina a sobredeterminação. 
Einstein dizia que uma descoberta científica se devia a 1% de inspiração (de poesia) e 99% de transpiração (fundamentar matematicamente postulados como esses não deve ser fácil!). Mas esse único porcento de inspiração dá uma aula de poesia e de psicanálise a quem tiver ouvidos para as ressonâncias de sua arte.
Misteriosos são os caminhos do universo. E, no meio do caminho, tinha Einstein. Tinha Einstein no meio do caminho.