Felipão foi anunciado como o novo técnico da Seleção de Futebol, aquele circo do qual o brasileiro é o grande palhaço (vide CBF, FIFA, Copa do Mundo, Ricardo Teixeira, etc.). Não que isso tenha importância suficiente para que eu escrevesse um texto, mas o que pesquei disso (ou fui fisgado) foi uma declaração que ele fez na sua primeira entrevista como técnico. Sabemos que fizeram sacanagem com o Mano Menezes, que parecia estar começando a engatar um pouco o time. Demitiram-no logo após ganhar um título, apesar de ter perdido o jogo final mas vencido nos pênaltis. Aí o Presidente da CBF, tal de Marins, coloca simplesmente os dois últimos campeões com a seleção: Parreira e Felipão. Só porquê eles já ganharam quer dizer que vão ganhar essa? O melhor técnico atualmente é o Muricy. Porquê não ele?
Enfim, foda-se esse circo.
O interessante aqui vocês já vão ver: o Felipão, ao ser questionado sobre a pressão que vai haver sobre os jogadores (e, claro, sobre ele mesmo), disse uma frase que, como diz Lacan, ressoou. "Se o jogador entrar sem pressão nenhuma, pensando que o objetivo é jogar a Copa, não pode ser assim. Fui jogador do interior. Eu era bom. O pessoal dizia que não, mas eu era bom. E tem pressão. Eles têm que saber. Nossos jogadores sabem que seria um dos títulos mais importantes que o Brasil já conquistou. Tem que trabalhar bem esse aspecto. Se não tiver pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil, senta no escritório e não faz nada" (disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/11/bb-diz-torcer-para-que-conquistas-do-volei-inspirem-felipao-na-selecao.html) - disse, enquanto atrás dele figurava o nome do Itaú, patrocinador da Seleção.
Claro que o Banco do Brasil ficou uma arara com essa fala, e publicou nota 'lamentando' a declaração. Segue trecho: "O Banco do Brasil lamenta o comentário infeliz do técnico Luiz Felipe Scolari e afirma que se orgulha por contar com 116 mil funcionários que todos os dias vestem a camisa do Banco, com as cores do Brasil, e trabalham com dedicação e compromisso para atender com excelência às necessidades de nossos clientes e do nosso país" (Ibid). Ou seja, não é que os funcionários trabalhem sem pressão, eles trabalham com dedicação e compromisso. Mas não sob pressão. O BB trata muito bem seus client... ops, funcionários.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro também ficaram putos com Felipão. Seu presidente disse: "Não só o trabalhador do Banco do Brasil sofre pressão, mas também os dos outros bancos. Por mês, cerca de 1.200 funcionários são afastados no país por problemas de saúde, por pressão dos bancos que pressionam os bancários a cumprirem metas absurdas e a venderem produtos que os clientes não querem comprar" (ibid). Assino embaixo. É toda hora bancário ligando oferecendo dinheiro, oferecendo empréstimo. Aluna minha me comentou que ofereceram-lhe 2.000 reais para ela pagar em suaves prestações que totalizariam 4.000 reais. "Te empresto e vc fica um tempão se fudendo pra me pagar o dobro"! Zygmunt Bauman é muito claro quanto a isso: "Nós hipotecamos o futuro", ou seja, de tanto dever e não poder pagar por ele (futuro), alguém irá tomá-lo de nós - vide crise de '2008'. É ruim, hein!
Bom, se a Psicanálise serve pra alguma coisa, é pra que pelo menos as pessoas saquem as dimensões do que quer que se diga. Lacan chamou isso de diz-menções e Freud nos ensinou a manejar a técnica para conduzir o tratamento do dito para isso, para as ressonâncias. Cito a Interpretação de Sonhos: "Os pensamentos oníricos a que chegamos por meio da análise revelam-se como um complexo psíquico da mais intrincada estrutura possível" (Grifo meu). Pequena pausa para você refletir sobre a frase. Prossigo: "Suas partes mantêm entre si as mais variadas relações lógicas. representam primeiros planos e panos de fundo, condições, digressões e ilustrações, sequências de prova e contra-argumentações. Não falta a esse material nenhuma das características que nos são familiares por nosso pensamento de vigília, Ora, quando tudo isso tem de ser transformado num sonho, o material psíquico é submetido a uma pressão que o condensa enormemente a uma fragmentação interna e a um deslocamento que criam, por assim dizer, novas superfícies" (p. 678). E Lacan é simplesmente textual quando diz "eu garanto que, numa frase, se possa fazer com que qualquer palavra venha dizer qualquer sentido" (LACAN). É o que vou fazer agora, tentando também com isso mostrar com esse exemplo um dos artifícios possíveis para que se esteja na posição analítica.
Repito: Felipão diz que não há pressão no banco do Brasil. Me pergunto se algum dos jogadores que serão reservas na Copa pensarão nesta frase; ou se os que já se consideram reservas pensaram nela. Isso porque 'Banco do Brasil' ressoa, pois é homofônico, como 'banco [de reservas] do Brasil', jargão altamente usado no linguajar futebolístico. Lacan diz que "é o equívoco, a pluralidade de sentido, que favorece a passagem do inconsciente no discurso". Assim, não há pressão no 'banco do Brasil'? Quem trabalha lá? E mais, quem é o dono?: é o técnico que está assumindo o posto de Pai da "família banco do Brasil" (como diz trecho da carta do BB): Luiz Felipe Scolari. Felipão está dizendo que não há pressão nele, nem na comissão técnica, nem nos reservas (que são quem trabalham no Banco), mas sim em quem está em campo ("Se o jogador entrar [em campo, é claro] sem pressão nenhuma, pensando que o objetivo é jogar a Copa, não pode ser assim"). É, logicamente, uma maneira de ele tirar o corpo fora se o Brasil perder a Copa. Ele não quer se sentir pressionado por uma eventual derrota. É como se ele dissesse (aliás, não é como se ele dissesse, é o que ele está dizendo logicamente, ou seja, a la Deus, falando certo por linhas tortas): a derrota será dentro de campo, dos que realmente jogam, dos que estão pressionados, oras!, e não de quem senta no 'banco' (Felipão disse "senta no escritório") e 'não faz nada', fica só olhando o jogo, sem pressão alguma. De modo que, repito, logicamente (e eu traço essa lógica neste parágrafo), a fala de Felipão ressoa em outro sentido, no qual, curiosamente, ele está falando de si mesmo (como sempre estamos), enquanto trabalhador do banco do Brasil.
Se essa lógica lhes parece forçada, ilógica, absurda, que não faz sentido, 'nada a ver', apenas lembrem das frases do Freud e do Lacan que vou recitar: "Os pensamentos oníricos a que chegamos por meio da análise revelam-se como um complexo psíquico da mais intrincada estrutura possível". Não é à toa que pedi uma pausa naquele momento. Isso quer dizer: da mais intrincada lógica possível. Uma lógica em que nunca há apenas um sentido para o que se coloca. "Eu garanto que, numa frase, se possa fazer com que qualquer palavra venha dizer qualquer sentido", diz Lacan, pois, como disse Freud, "suas [do pensamento, do dito] partes mantêm entre si as mais variadas relações lógicas". Eu diria "suas partes mantêm entre si toda e qualquer relação lógica possível". São frases de grande magnitude, muito importantes para se entender o suspensamento psicanalítico. E vocês querem lógica bizarra, forçada, absurda, etc., e que ninguém ousa discutir? Vão estudar física quântica e verão o quanto logicamente a psicanálise está dizendo a mesma coisa, inclusive de modo até mais tragável... Pois, ora, se um elétron pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, uma palavra também pode.
O Inconsciente é a falta radical de sentido absoluto para o que quer que se diga, e Isso sempre pode ressoar, se desfazer como sentido para que possam surgir novos sentidos; eu ousaria dizer que a lógica da psicanálise é a lógica das possibilidades. A análise, e é isso o que seu nome significa, é precisamente essa decomposição de um sentido para a recomposição de outro a partir desse mesmo material apodrecido. E para quê? Para que a pessoa aprenda a manejar cada vez mais (as) possibilidades do que quer que haja, ampliando assim a diz-menção da sua existência. Serve também pra que o palhaço não se contente apenas com Felipão e Circo...
PS: É interessante que a reportagem da Globo sobre a fala de Felipão tenha saído na seção de Economia, e não na de Esportes... O assunto é sério, né?
PS: É interessante que a reportagem da Globo sobre a fala de Felipão tenha saído na seção de Economia, e não na de Esportes... O assunto é sério, né?
REFERÊNCIAS:
FREUD, A Interpretação dos sonhos. ESB, vol. V.
LACAN, A Terceira. Disponível em: http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=jlacan031105_2
BAUMAN, Zygmunt. Entrevista à Globo News. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OcPD1pLdkoQ