O que é um espelho? É o único material
inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver,
quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha
para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria
imagem – esse alguém então percebeu seu mistério de coisa. Para isso, há que
surpreendê-lo quando está sozinho, quando pendurado num quarto vazio, sem
esquecer que a mais tênue agulha diante dele poderia transformá-lo em uma
simples imagem de uma agulha, tão sensível é o espelho na sua qualidade de
reflexão levíssima. (Clarice Lispector, “Os espelhos”)
René Magritte, "A reprodução interdita"
A psicanálise tem como ponto
central na origem da sua descoberta do inconsciente a questão sobre o sentido na ordem da mente humana. Foi ao
conferir sentidos a sonhos, lapsos e chistes que Freud pôde começar a
compreensão da própria ‘lógica’, como diria Deleuze, que rege esses fenômenos.
Isso o levou a descobrir que a mente humana é essencialmente uma máquina de
produção de sentido, em mecanismos que vão desde o trabalho do sonho aos
caminhos da formação dos sintomas. “A introdução de uma ordem de determinações
na existência humana, no domínio do
sentido, se chama razão. A descoberta de Freud é a redescoberta, num
terreno não cultivado, da razão” (LACAN, 1986, p. 12 - grifo meu). Essa razão é
o cerne da psicanálise e é em sua direção que ela deve se apontar. Mas de que
razão exatamente se trata?
Quando Freud introduz o sentido
como determinação radical entre os elementos da mente (ou seja, as
representações, as ideias), ficou a pergunta: trata-se de um processo cerebral,
anatômico, físico? Ou eram fenômenos puramente psíquicos, que não têm
existência física alguma? A princípio, Freud adscreve o mecanismo ao cérebro em
seu Projeto para uma Psicologia Científica. Isso porque “a intenção é prover
uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os processos
psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis” (FREUD, ESB vol. 1, p. 347). Isso mostra que à época, Freud
queria que a mente se reduzisse ao físico, ao material, e não a algo além dele,
algo metafísico. Há uma materialidade dos elementos mentais, e Freud tentou
adscrevê-la a algo físico, orgânico, cerebral: “os neurônios devem ser
encarados como as partículas materiais” (ibid.). No entanto, abandona rapidamente
essa ideia (a ponto de nunca querer ter publicado seu ‘Projeto’) e adota a tese
metafísica. A partir de então, e, sobretudo a partir de Lacan, a psicanálise
sempre se manteve do lado ‘mente’, em sua dicotomia ao ‘corpo’, na qual seu
conceito principal, o de inconsciente, foi considerado como uma estrutura
não-anatômica, não-física. Psicanalistas, lacanianos famosos, no Brasil, como
Maria Rita Kehl, dizem, como ela o fez num congresso de Neurologia e
Psicanálise, com todas as letras: “pra psicanálise, o psíquico não é um lugar
no cérebro”, “então a gente pode dizer: o psíquico não é uma instância
espacial, neuronal, cerebral” (KEHL). Isso é dizer que o sentido, a razão desde a descoberta freudiana, não
é algo físico, cerebral, o que Antonio Quinet, outro famoso nome brasileiro,
ratifica: “este postulado freudiano de um lugar psíquico não é localizável no
cérebro – o que é bom frisar para combater a ideia dos neurocientistas que
continuam até hoje a desenvolver, na prática, as teorias da localização
cerebral do século XIX. É um lugar simbólico” (QUINET, 2012, p. 21-22).
Quando eu estudava na faculdade,
no primeiro semestre de psicanálise, ingênuos que éramos, um de meus colegas
perguntou o seguinte para a professora: “mas onde está o inconsciente? É tipo
por aqui?” (passando a mão na parte de trás da cabeça). Não me lembro o que ela
respondeu, mas provavelmente não foi uma boa resposta, pois o mínimo que ela
deveria ter respondido era como era possível haver alguma coisa que não fosse
física. E isso ela não conseguiu responder. E nem Freud, e nem Lacan. O
processo do inconsciente foi considerado psíquico (no sentido de não-físico)
porque não se localizaram alterações ou lesões cerebrais quando se produziam
sintomas neuróticos na época de Freud. Em seu 'Projeto', Freud diz que há uma 'alteração funcional sem lesão', e por isso é que ele pede licença (!) para entrar no terreno da psicologia: essa alteração é uma alteração da conepção, da idéia de uma determinada parte do corpo, por exemplo. Já no tempo de Lacan, a causalidade
psíquica foi estabelecida a partir dos distúrbios de linguagem na psicose, tais como não fazer metáforas. Para Lacan,
metáfora, ou seja, linguagem, não é localizável anatomicamente, ou seja,
fisicamente. Mas onde está a metáfora, o sentido, então?
Lembremos rapidamente aqui a
historia do sentido na psicanalise de Freud a Lacan. No mecanismo dos sonhos,
Freud destaca os processos de condensação e deslocamento; o primeiro era um
elemento mental que substituía vários outros ao mesmo tempo, assim
condensando-os em si; o segundo como deslocamento de um desses elementos para outro.
Lacan, usando o recurso da linguística de Roman Jakobson, redefine os processos
freudianos como metáfora e metonímia, respectivamente, que são as figuras de
linguagem da qual o inconsciente se vale para produção de seus construtos. O
sentido emerge justamente de articulações metafóricas e metonímicas dos
elementos do inconsciente (o qual é a própria estrutura articulatória),
chamados por Freud de ‘representações’ e por Lacan de ‘significantes’. Esses
significantes não são localizáveis no cérebro, eles são apenas a ‘imagem
acústica’ que se produz quando um animal humano emite diferentes sons, quer
dizer, quando o animal humano fala.
Isso particularmente sempre me
intrigou ao começar os estudos de psicologia. Suponhamos um caso freudiano
clássico, uma mulher com paralisia facial no lado esquerdo, sem quaisquer
alterações, anormalidades cerebrais. A mera fala
do psicanalista é capaz de desamarrar aquele sintoma, curando-o: como isso é
possível? Como é que a linguagem, como algo 'não-físico', não anatômico, pode causar fisicamente
qualquer coisa, como uma cura, neste caso? O que é a fala?
A fala é um processo físico: uma
corrente elétrica ativa um circuito neuronal, eletroquímico, que leva da intenção de falar (ou
seja, do pensamento de que se vai dizer algo) até o movimento da boca, que
então vibra as cordas vocais, articula posicionamento da língua e dos lábios
para emitir determinada configuração sonora (e som nada mais é do que moléculas
de ar vibrando) que atravessará o ar para atingir uma membrana no ouvido do
ouvinte, chamada tímpano, que por sua vez movimenta um grupo de três ossos cuja
vibração é convertida em um impulso elétrico que percorre um circuito neuronal
até uma área no cérebro que processa aquela informação e lhe confere sentido, assim, por exemplo, curando aquele sintoma em
particular. Todo o processo descrito aqui, exceto a palavra ‘sentido’, é um
processo físico, material,
especificamente eletroquímico e mecânico. Mas o sentido é tido como algo não
físico. Por quê?
O interessante é que o
significante, que é condição do sentido, mesmo não sendo físico, é suposto ser
material. Isso está tanto em Freud como em Lacan. O que quer dizer ‘material’
nesse contexto, então? Quinet responde que “é a materialidade sonora dos
significantes (a própria imagem acústica da palavra e que, portanto, dispensa seu
significado)” (2012, p. 30). Ora, mas diante de todo esse processo físico na
qual se constitui a formação do sentido, pergunto: onde a imagem acústica se
forma? Como não seria no próprio cérebro? Como é que no ser humano, que nada
mais é do que um outro tipo de primata, o cérebro (evoluído a partir do macaco)
possibilita a criação de algo que não seja ‘cerebral’, quer dizer, físico? Como
é que o cérebro produz uma 'imagem acústica' fora de si mesmo?
A psicanálise freud-lacaniana,
desde aquele Projeto para uma Psicologia científica, não mais se debruçou sobre
os limites entre físico e psíquico. Seu movimento foi de entender
principalmente a lógica pela qual os
elementos do inconsciente (fossem eles físicos ou psíquicos) se articulam. Isso
foi muito bem feito por Freud e Lacan. Porém, o inconsciente, o mental, não para aí. Ele é
determinado não apenas por elementos propriamente psíquicos (como nos casos das
neuroses clássicas), mas por condições cerebrais também. É só ver os efeitos
psíquicos que várias drogas causam pelo cérebro, ou condições genéticas, etc.
Isso porque o psicanalista pode facilmente ser ludibriado por um sintoma
cerebral que ele pensa ser de ‘linguagem’, psíquico; isso atrapalha a clínica,
e limita o escopo do entendimento da situação com a qual o analista se depara.
E até que ponto o sintoma tem determinantes cerebrais e até que ponto psíquicos
é um interregno de praticamente impossível mapeamento completo.
Psicanálise e neurociência não
podem se considerar antagônicas; elas têm que trabalhar para que cada vez mais
estejam em coerência nas suas formulações. A psicanálise clama ter descoberto
nada mais nada menos do que a razão,
que é do sentido, como mecanismo fundamental dos processos psíquicos. Se isso
é, é de se esperar que mais cedo ou mais tarde, a neurociência descubra o que,
no cérebro, a partir da sua evolução entre o macaco e o homem, possibilitou o
surgimento dessa razão.
Não é à toa que MD Magno, psicanalista brasileiro pioneiro do lacanismo no país, propõe
exatamente isso em 1983: alguma formação cerebral capaz de produzir, secretar,
a lógica que os outros animais não têm, que é a lógica do significante. Essa
lógica, grosso modo, pode ser formulada da seguinte maneira: para cada elemento
psíquico que se coloque no inconsciente, outro elemento é requisitado como sentido daquele primeiro. É como a
relação entre conteúdo manifesto e conteúdo latente do sonho: para cada elemento manifesto há, pelo menos, um outro, latente, que se configura como sentido do
manifesto. Cada elemento possui um avesso de si mesmo, um Outro, com o qual se
articula de modo unilátero: é indiscernível o fim de um e o começo do Outro. É
daí que emerge o sentido, dessa própria articulação entre coisas diferentes (ou
seja, opostas) que se significam. Por isso MD Magno diz que a razão do
inconsciente é catóptrica: palavra que vem do grego katoptron, que significa ‘espelho’. Mas não é a razão especular
entre imagens, como Lacan coloca. É o
vazio radical do espelho, onde
qualquer coisa que se coloca produz um avesso; no entanto, o espelho catóptrico não é
como um espelho normal, que só vira ao avesso os lados. É um espelho no qual,
se se lhe apresenta luz, ele reflete a escuridão; se se lhe apresenta dia, ele
reflete noite, e etc. Ou seja, é um avessamento radical de seus elementos: o
espelho reflete opostos. Como exemplo, se alguém sonhou com uma borboleta, o
fato de que ‘borboleta’ sempre significa alguma outra coisa que não ‘borboleta’
(talvez a liberdade, devido às asas, ou um trauma, etc.) mostra claramente a
catoptria do espelho: se ‘borboleta’ é o conteúdo manifesto do sonho, o
conteúdo latente é ‘não-borboleta’; duas imagens (simbólicas) do mesmo espelho (o real). Como diz Lacan:
“o que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu
tenho, justamente na medida em que sua língua me é comum com outros sujeitos,
isto é, em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do que ela
diz” (1998, p. 507). Assim, o espelho espelha o contrário, como Magritte mostra muito bem: seu espelho é o oposto de um espelho especular, imaginário e é nisso que ele é catóptrico, real. O significante comporta uma 'significação antitética de palavras primitivas' na qual é impossível saber os limites de seus sentidos, sempre sendo possível um equívoco (l'une-bévue) de significação.
Para Magno, essa lógica catóptrica
é que deve estar instalada em alguma função cerebral - e não necessariamente
num único ponto ou tipo de função,
mas pode ser um conjunto complexo de diferentes funções cerebrais que produzem
a catoptria. Mas a aposta de Magno é de que há uma base física, cerebral, para
a lógica do inconsciente, lógica esteada na questão do sentido e que foi
desenvolvida dentro da psicanálise como lógica catóptrica.
No entanto, a psicanálise, que,
pelo menos até Lacan, desvincula o sentido de quaisquer localizações físicas,
não é a única a investigar a lógica do sentido. As neurociências - e até mesmo a
física quântica! - entraram de vez no campo e têm feito descobertas e asserções
que nenhum psicanalista deveria ignorar. Duas são do maior interesse para o
entendimento cada vez mais refinado do que possa ser o inconsciente. Mas antes
de entrar nas especificidades dessas descobertas, vamos lembrar de maneira
básica, o que é o cérebro e seu funcionamento mínimo.
O cérebro é um órgão composto de
células específicas, chamadas de neurônios. Em média, cada cérebro tem
aproximadamente 100 bilhões de neurônios, que são as unidades funcionais e
estruturais do sistema nervoso. Cada neurônio pode ter pontos de contato, chamados
‘sinapses’, com milhares de outros neurônios, de modo que a complexidade de
suas conexões ultrapassa o número de átomos existentes no universo.
O estudo do cérebro é feito
basicamente através de imagens: ligue detectores no cérebro e peça ao sujeito
que execute uma ação qualquer, como mexer um dedo. As partes do cérebro que se
estimularem (através dos impulsos eletroquímicos) estão envolvidas no processo
de mexer o dedo. Outra maneira é mapear um neurônio por vez para saber que tipo
de função ele executa. Por exemplo, a célula não se estimula quando se emite um
som, mas quando se emite luz, ela se estimula, o que dá certa confiança em
dizer que aquele neurônio está envolvido com imagens, e não com sons. Assim,
cada parte do cérebro está envolvida com uma função altamente específica: a
parte de trás é majoritariamente responsável pela visão, por exemplo. Se houver
uma lesão lá, o que você perde é apenas a visão, e não outras funções, como
audição. Existem áreas específicas apenas para a compreensão de movimentos por
exemplo. E pessoas com lesão nessa área não conseguem muitas vezes atravessar
uma rua, pois não conseguem ver os carros se movendo, elas veem apenas uma
sucessão de estados parados do carro, mais e mais perto (ou longe), e assim,
não conseguem calcular sua velocidade, o que as deixa receosas para executar a
ação. Outra área, chamada giro fusiforme, é relacionada com o reconhecimento de
rostos, apenas. Ou seja, algo muito específico. Lesões nesta área levam a
sintomas como não reconhecer rostos
extremamente familiares, mas o reconhecimento de voz continua intacto.
Um fenômeno que interessa
particularmente à psicanálise é o chamado de membro-fantasma. Um sujeito teve,
digamos, uma mão amputada, mas continua a senti-la: tem dor, coceiras, sente
que mexe com os dedos, etc. Seria isso apenas um fenômeno mental imaginário?
Uma alucinação? Mais interessante ainda: quando uma pessoa que tem
membro-fantasma observa uma pessoa tocando outra naquela região onde ela está
amputada, ela sente o toque no seu membro-fantasma! Apenas a observação a faz
sentir o toque que não tocou nela! Só pode ser uma alucinação, um fenômeno imaginário de identificação, certo?
V.S. Ramachandran, neurocientista
indiano, forneceu uma explicação cerebral para o fenômeno, a partir das
descobertas de um grupo de cientistas italianos liderado por Giaccomo
Rizzolatti. Existem neurônios chamados de ‘neurônios de comando motor’,
responsáveis por orquestrar a cascata de contrações musculares que resultam,
por exemplo, no movimento de um dedo, ou de uma mão, ou qualquer outro. Tanto
macacos quanto humanos possuem esses neurônios. Rizzolatti descobriu que
aproximadamente 20% desses neurônios ativavam não apenas quando alguém faz o movimento, mas quando simplesmente observa outra pessoa (geralmente da
mesma espécie) fazer o mesmo movimento. Essa classe de neurônios foi
imediatamente chamada de ‘monkey see,
monkey do’, ou ‘neurônios-espelho’, como são agora conhecidos, porque eles imitavam o movimento de outrem. Da mesma forma, na parte do cérebro responsável
pelo sentido do tato, os neurônios espelho se ativam à mera visão de alguém ser
tocado no braço, por exemplo. E uma questão importante nesse caso é: se meus
neurônios de tato se ligam quando vejo alguém ser tocado, como é que eu não sinto
o toque? Como o cérebro sabe a diferença? A hipótese é de que o braço do
observador, que não está sendo tocado, envia a informação de que não há nada
tocando-o, e isso bloqueia o envio de informação do cérebro para o braço com a
sensação de toque. E uma maneira de testar isso foi justamente com amputados:
como neles não há braços para enviar o sinal de que não estão sendo tocados,
eles devem sentir o toque. E foi exatamente o que aconteceu. Mais
extraordinário ainda, pessoas que apenas tiveram os braços meramente anestesiados, de
modo a não enviar informação sobre toques para o cérebro, também sentiram o
toque no seu braço anestesiado!
A descoberta desses neurônios é
de extrema importância para a psicanálise, pelo fato de que eles são ativados
tanto em uma das pessoas em jogo, quanto na outra, de modo que “a única coisa
que está separando a sua mente da minha mente é a pele. Nossos cérebros estão
interligados” (RAMACHANDRAN b). “Você
é capaz de criar uma simulação de realidade virtual do que está acontecendo no
cérebro do outro macaco” (Ibid.) Esse modo de articulação entre eu/outro, no
qual os limites entre suas mentes se borram, se indiferenciam, é o lugar da
lógica do significante, ou seja, da lógica catóptrica.
Sendo, antes de tudo, uma máquina de
avessamento ou Revirão, a mente é a competência de articular as informações
recebidas no regime de sua enantiose,
isto é, no regime de pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do
que comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos entender a operação de
avessamento de toda e qualquer formação que nossa mente é capaz de sonhar ou
pensar por ser sua competência fundamental a habilidade de propor uma formação
reversa. Assim – questão cara à teoria dos neurônios-espelho –, se há imitação
de um “outro” é porque a função revirão opera avessando o que comparece como
“externo” em “interno”. Faz-se o que o “outro” está fazendo porque há a
capacidade de virar pelo avesso a articulação que se apresenta. A máquina de
reviramento incorpora tudo que emerge recortadamente como sendo “outro”. Nesse
sentido, a função catóptrica indiferencia as barreiras operacionais que
recortam e constroem as noções ligadas ao jogo da alteridade (MAGNO, 2008, p.
174).
De modo que a lógica do espelho
dos neurônios parece ser também catóptrica, e não meramente especular, mimética. As duas
funções do espelho estão aí embutidas, tanto o imaginário lacaniano
quanto a catoptria de Magno.
Veja bem, isso não é dizer que
esse neurônio é o inconsciente, mas
que a função que ele apresenta é absolutamente compatível com a função do
espelho no Inconsciente: a reversão lógica do reviramento de significação. O eu e o outro se
espelham, tal como um significante espelha o outro. Se por um lado, Lacan propõe a função do espelho como reconhecimento da imagem, Magno mostra
aí que há o reconhecimento do próprio
espelho, enquanto articulador catóptrico das imagens, o que inclusive é o que causa o júbilo da criança diante do espelho.
Ramachandran diz que o neurônio-espelho
é “um neurônio de empatia. Então empatia não é mais um conceito abstrato,
filosófico, metafórico. Você vê no nível da circuitaria neuronal (...), que
está dissolvendo a barreira entre você e outro ser humano (...). Eu digo que isso
não é só filosofia, não é só metáfora: seus neurônios
estão dissolvendo a barreira por você” (RAMACHANDRAN b). Em outras palavras, como disse Lacan, citando Rimbaud: “eu sou
outro”.
Agora, se macacos também portam
esses neurônios, porque eles também não fazem função catóptrica? Por quê eles
não são humanos? Ramachandran diz que é a quantidade desses neurônios que
possibilitam complexificações cerebrais suficientes para dar ignição à lógica
catóptrica. O ser humano tem muito mais deles do que o macaco.
Assim, a questão dos neurônios
espelho está intimamente associada com a emergência do sentido, do significado, e isso também no nível das representações. Ramachandran tem tentado retornar à questão
dos qualia e do self como aquilo que falta a qualquer mapeamento neuronal, físico,
sobre qualquer sentido humano: sua experiência consciente e subjetiva das
coisas. Os qualias são as
representações das quais se tem consciência (RAMACHANDRAN b); por exemplo, se você for espetado por uma agulha, sentirá a
sensação – isso é qualia: a
experiência subjetiva, consciente, e incomunicável para outros, de estar sendo
espetado por uma agulha. Já o self é
a possibilidade de refletir (como
quem fala de espelho...) sobre a própria qualia:
“eu sei que experiencio aquele qualia
e eu sei que eu experiencio aquele qualia” (Ibid.). De modo que Ramachandran
acha que esses não são dois conceitos separados, mas devem ser considerados
simultaneamente, “como dois lados de uma banda de Möebius” (Ibid.): não há qualia, ou seja, experiência subjetiva,
sem o self, pois não há um estado
anterior, chamado qualia, sobre o
qual o self reflete; não há um sem outro; e ambos estão intimamente
relacionados à linguagem, na área de Wernicke no cérebro. “Para que a qualia tenha qualquer significado deve
haver significado” (Ibid.).
Ramachandran exemplifica da seguinte maneira: uma mosca que vê uma fruta e põe
sua probóscide (aquela coisinha com a qual ela pica) para comer a fruta, está
criando uma representação daquela
fruta no seu cérebro, pois são sinais neurais; ela não está copiando a fruta em
seu cérebro. Assim que a representação é criada, a mosca solta sua probóscide.
Para Ramachandran, não há qualia aí
nessa representação. Para uma pessoa, a fruta (suponha que seja maçã) evoca o
‘pecado original’, ou sua professora, ou, se você for um Newton... evoca a gravidade. São virtualmente infinitas possibilidades de
significado. E isso é unicamente humano. “E isso acontece... eu acho que são
conjuntos de circuitos no cérebro” (Ibid.). Eses conjuntos geram
não apenas a representação sensória, mas
o self ‘inspecionando’ a informação
sensória que entra. Isso é território perigoso, pois quando você fala
‘inspeciona’, faz você pensar na falácia do homúnculo, de uma pequena pessoa
que está olhando. Não é o que eu digo. Estou dizendo que em algum estado da
evolução, ao invés de apenas a representação sensória, começou-se a criar o que
chamo de meta-representação, uma representação da representação – ao contrário
da mosca – que permite que se manipulem símbolos internamente na cabeça. E isso
está intimamente conectado com coisas como sentido. [...] e nesse conjunto todo
há a emergência dessa propriedade dual do qualia
e do self, que eu acho ser única nos
humanos (Ibid.).
Temos então o qualia como representação sensorial e o self como meta-representação, e a
articulação de ambos, ao modo da banda de Möebius, é o que gera o sentido. Isso
é exatamente como o que Lacan e Magno colocam como articulação entre
significantes. Isso vem de Freud, que cunhou dois termos: Vorstellung (representação) e Vorstellungrepräsentant
(representante da representação), as quais ele adscreve ao inconsciente, como
representação de coisa, e ao pré-consciente/consciente, como representação de
palavra, respectivamente. A Vorstellungrepräsentant
é análoga ao que Ramachandran chama de meta-representação, que articula as
infinitas possibilidades de sentido para as Vorstellungen.
E essa é a própria função do significante: representar
outro significante.
Para Ramachandran, toda a
discussão está concentrada numa questão, que é “o Santo Graal da Neurociência”:
como os neurônios instanciam o sentido? (Ibid.) A psicanálise, a partir dos
achados freudianos, formulou uma lógica que responde a essa pergunta num nível
abstrato, discursivo, linguageiro, "não físico"; mas a neurociência parece estar
percorrendo o mesmo caminho lógico por uma via neuronal, cerebral, mostrando à
psicanálise a condição física para a possibilidade da emergência da função
catóptrica que caracteriza o inconsciente. Isso, por sua vez, à própria maneira
dos neurônios-espelho, dissolveria a fronteira entre físico e psíquico, natural e cultural, uma vez
que, até mesmo segundo Freud, investigar o inconsciente (tido como construto
puramente cultural) é investigar “algo que pertence ao próprio núcleo da
natureza” (FREUD, ESB vol. 1, p. 336). Pois, se o cérebro porta, comporta, condiciona a
lógica significante, é porque ele mesmo é “estruturado como uma linguagem”,
como diz Lacan.
Ramachandran também discute a
questão da metáfora. Como sabemos, Lacan mostra que a metáfora é mecanismo
significante, de uma substituição de um significante por outro, o que gera a articulação
fundamental entre Vorstellung e Vorstellungrepräsentant, constituindo assim
o advento do sentido. Quer dizer, a articulação não é especular, como se um
elemento tenha qualquer semelhança com o outro (como diz Lacan, não se trata de
analogia); pelo contrário, é uma articulação de diferença radical, de oposição,
ou seja, é articulação catóptrica: um elemento nada tem a ver com o outro, mas
mesmo assim são dois aspectos da mesma coisa. Lembremos com Freud que “as representações opostas são
preferencialmente expressas nos sonhos por um único elemento. O ‘não’ parece
inexistir no que concerne aos sonhos. A oposição entre dois pensamentos, a
relação de inversão, pode ser
representada nos sonhos de maneira realmente notável. Pode ser representada
pela transformação de outra parte do
conteúdo onírico em seu oposto” (ESB, V, p. 679).
O neurocientista indiano começa a
compreender a metáfora a partir de um fenômeno muito interessante e que, segundo ele, a
ciência sempre renegou por não ser compatível com seu paradigma (qualquer
semelhança com Freud...): a sinestesia. Ela é uma condição em que representações
dessemelhantes, diferentes, até mesmo opostas, entram em relação. Por exemplo,
se eu disser que a nota musical 'dó' tem a cor verde: se a nota toca, eu digo que aquela
representação é verde. Ora, está-se tomando uma representação auditiva (som) e articulando-a a uma representação visual (cor), representações que são evidentemente
conflituosas, e até certo ponto, realmente opostas. Outro exemplo é o tipo de
sinestesia mais comum: números e cores. Assim, o 1 é azul, 2 é vermelho e etc. Lacan
dizia que só se pode falar por metáforas: a sinestesia mostra isso num nível
muito forte, o corporal, cerebral. ‘Literalmente’, é revirar a palavra de um ‘sentido’ (‘visão’, ‘audição’...) para
outro...
Novamente pergunto-me: trata-se de
um fenômeno puramente linguageiro, ‘psíquico’? A metáfora é algo que de nunca, forma
alguma, será descrita em termos físicos, cerebrais? As pesquisas de Ramachandran
sugerem que não; há uma lógica cerebral homóloga à lógica metafórica do
significante. Isso porque nos mapeamentos cerebrais de sinestetas as áreas
especializadas em enxergar cores acendem junto com as áreas que representam
números, ou sons, e das outras combinações de sentidos. De modo que, por mais
que o olho não veja, o cérebro processa o número ou o som como tendo uma cor
associada a ele: o cérebro vê a cor, 'literalmente'. Por quê isso acontece? Porque as áreas
responsáveis pelas diferentes funções (como números e cores, por exemplo) estão
muito próximas umas das outras, o que causa, caso certo tipo de gene esteja
desligado, um cross-wiring entre elas,
ou seja, uma maior interconexão do que geralmente ocorre na formação cerebral 'normal' (que
é uma maior especificidade de cada área do cérebro, menos conectadas). De modo
que uma informação sobre número ‘vaza’ para a área das cores, assim
articulando os dois significantes.
Se um mesmo gene for expresso mais
difusamente por todo o cérebro então você terá maiores oportunidades de articular
regiões cerebrais aparentemente não relacionadas, e consequentemente domínios
conceituais aparentemente não relacionados. Isso é a base da metáfora. O que
artistas, poetas e romancistas têm em comum? A habilidade de ligar ideias e
conceitos aparentemente não relacionados (RAMACHANDRAN b).
Essa ideia de articular oposições,
ou melhor, ‘conceitos aparentemente não relacionados’ é a neutralidade do espelho
catóptrico, diante do qual a luz reflete a sombra, o bem reflete o mal, o som
reflete a cor, e, especialmente, o eu reflete o outro. É o mesmo aparelho de
dissolução de barreiras que “recortam e constroem as noções ligadas ao jogo da
alteridade” (MAGNO, 2008, p. 174), que é propriamente o que Lacan falava sobre
o equívoco do significante. De modo
que é necessário supor alguma relação entre a lógica dos neurônios-espelho,
supostos serem o rudimento da linguagem humana, e da genética que possibilita o
cross-wiring, fornecendo as bases do pensamento metafórico na linguagem; pois, como a psicanálise nos mostra, a própria linguagem se institui a partir da
metáfora. A relação catóptrica da metáfora é o próprio cerne da linguagem, ou
melhor, o próprio cerne do Inconsciente, que, antes de ser língua, linguagem, é
essa própria lógica de catoptria. As pesquisas neurológicas têm sugerido então
que a catoptria não apenas se manifesta no nível linguageiro ‘psíquico’ (não-físico) mas no
nível físico também, no cérebro.
E isso chega a um nível ainda
mais radical a partir das pesquisas de um anestesiologista e de um físico:
respectivamente Stuart Hameroff e nada mais nada menos que sir Roger Penrose. É sabido que dentro
dos neurônios existem estruturas chamadas de microtúbulos, que são como ‘ossos’
da estrutura neuronal, determinando sua arquitetura (HAMEROFF). “Microtúbulos
são perfeitamente desenhados para ser o computador de bordo da célula e processar
informação no nível molecular” (HAMEROFF). A novidade que os autores propõem é
que esse processamento é quântico, ou seja, processa os dois lados da oposição
de uma só vez, assim como a neutralidade do espelho também processa os
elementos do inconsciente na sua bifididade, ou, como diria Lacan, L’une-bévue, na equivocidade do
significante, da significação antitética de palavras primitivas. Um processo essencialmente quântico é precisamente da ordem da
superposição dos estados ortogonais das oposições, ou seja, da própria lógica
catóptrica. É nesse vazio da superfície do espelho que uma oposição surge; o
espelho sendo o que superpõe as oposições.
No nível do cérebro, o
processamento clássico é, como diz Ramachandran, uma cascata de reações entre os circuitos
neuronais; funciona como um efeito dominó: um neurônio acionando outro pelos
seus pontos de contato e distribuindo a informação ao longo desse circuito
sináptico. Já um processo cerebral quântico seria a interação entre dois
neurônios que não estão conectados sinapticamente, acontecendo assim uma 'ação à
distância' entre eles. É como se o efeito dominó ocorresse entre duas peças que
não se encostam ao caírem. É uma articulação instantânea entre, por exemplo, um
neurônio do hemisfério esquerdo com um do hemisfério direito sem passar por
qualquer circuito. E a alteração da propriedade de um deles (por exemplo,
corrente elétrica) instantaneamente afeta à distância a propriedade do seu par.
A aposta de Hameroff e Penrose é de que esse processamento quântico da
articulação neuronal se dá através dos microtúbulos dos neurônios, que articulam-se quanticamente.
Para testar a validade da hipótese,
seria necessário obter um fenômeno quântico em seres vivos, o que é muito
difícil, porque eles são grandes demais para a escala em que os fenômenos
quânticos acontecem; além disso, são muito quentes, o que também dissiparia o
fenômeno enquanto quântico. Porém já foi demonstrado que fenômenos quânticos ocorrem em
certos organismos vivos, como pássaros (em seu sistema de navegação), plantas
(na fotossíntese), e até mesmo no olfato humano. A pesquisa é recente, feita
por Vladko Vedral (revista Scientific American, julho 2011). A possibilidade de
se verificar efeitos quânticos em cérebros humanos tem se mostrado sustentável.
Se isso for confirmado, mostrará a catoptria do processamento cerebral no seu
nível mais fundamental enquanto materialidade: no nível físico das articulações
subatômicas. Ou seja, mostrará a lógica que a psicanálise descobriu
antecipadamente lógica da 'matéria significante', porém no nível físico, quebrando a barreira entre a oposição
físico x psíquico, e isso ao próprio modo catóptrico, pois o núcleo do
funcionamento psíquico é fundamentalmente quântico.
O processo quântico que articula os dois neurônios é chamado de emaranhamento. Ele articula neurônios que não
estão conectados sinapticamente, bem afastados de contato um do outro, ‘aparentemente
não relacionados’, como diria Ramachandran. Porém, um responde à ativação do outro
como dois significantes se articulam na produção da metáfora: por catoptria. Um
e outro neurônio se conectam como as duas imagens de um espelho catóptrico, que
de algum modo se coloca entre eles e os põe a se representar. Modo esse que
ninguém na física quântica entende e que Lacan costumava chamar de real.
Se por um lado, os neurônios
espelho funcionam dissolvendo a barreira física entre um cérebro e outro, por
outro lado, o emaranhamento quântico de microtúbulos funciona dissolvendo a
barreira física entre um neurônio e outro. Mas ambos os lados só fazem refletir
a unilateralidade da catoptria: seja cérebro, neurônio, representação, significante, seja
qual for o material que sustente essa lógica, a psicanálise vem destacar o
vazio lógico da estrutura catóptrica para mostrar a intercambialidade dos
elementos que acaso ocupem essa estrutura. É no vazio do espelho que as
oposições se refletem, se articulam como tais; mas o espelho não é conteúdo,
ele simplesmente causa a articulação dos conteúdos: o espelho equivoca: transforma a agulha na sua própria imagem, ou seja, faz a agulha representar a si mesma. É isso
que Magno aposta que os neurocientistas eventualmente descobrirão, ou melhor, comprovarão
no laboratório, uma vez que as pesquisas de Ramachandran e Penrose & Hameroff parecem já ter descoberto o mecanismo lógico da psique funcionando
fisicamente. Mas a descoberta original dessa lógica é psicanalítica, e cada vez
mais tem sido sustentada pelas novas descobertas no campo da ciência a partir
dos achados em física quântica, neurociências, etc. “Quero dizer que a mente
imita com eficiência e eficácia a bifididade que os físicos encontram dentro da
ordem quântica na microfísica” (MAGNO, 2011). Ou, se quiserem acreditar no
Lacan, ele também diz:
O sujeito participa do real, justamente,
por ser aparentemente impossível. Ou, melhor dizendo, se tivesse que empregar
uma figura que não surge aí por acaso, diria que ocorre com ele o que ocorre
com o elétron, no ponto em que este se propõe a nós na junção da teoria
ondulatória com a teoria corpuscular. Somos forçados a admitir que é
precisamente como sendo o mesmo que
esse elétron passa ao mesmo tempo por dois buracos distantes (Jacques Lacan,
Seminário XVII).
O real não é o mundo. Não há nenhuma
esperança de atingir o real pela representação. Não vou começar a arguir aqui a
teoria dos quanta, da onda, do corpúsculo. Seria melhor de qualquer forma que
vocês estivessem por dentro, mesmo que isso não lhes interesse (LACAN, A
Terceira).
Repetindo, não se trata aqui de
adscrever um lugar cerebral específico como responsável pela existência do
inconsciente (lembro de uma professora minha que tentou defender a localização do superego no lobo frontal), mas simplesmente destacar que a funcionalidade lógica da estrutura linguageira do inconsciente tem
que ter algum substrato no cérebro. Foi a evolução do cérebro, num processo
de complexificação da sua estrutura desde os primatas até os humanos, que
propiciou a possibilidade lógica de um funcionamento mental significante, catóptrico,
propriamente humano, e não meramente como linguagem animal. Por isso, a
psicanálise não precisa ‘combater’, como diz Quinet, a neurociência, pois se
acaso as teorias dos neurônios-espelho e dos microtúbulos forem refutadas, isso
não afetará a lógica proposta pela psicanálise; mostrará apenas que os cientistas
terão que procurar essa funcionalidade de outras maneiras. Cabe a eles
descobrirem como o cérebro possibilita a emergência da função catóptrica na
mente. A psicanálise já mostrou como isso funciona logicamente; a neurociência que
o demonstre neurologicamente! E com essas descobertas, como as de Ramachandran e Hameroff & Penrose, os passos estão indo
nessa direção.
Portanto, falar que o psíquico
não é uma instância física, espacial, neuronal, coloca a velha oposição mental
x físico, o que é ir na direção contrária ao que Freud dizia, que a lógica do
inconsciente não comporta oposição. Não se trata de o inconsciente ser ou
mental ou físico, natural ou cultural. O inconsciente é lógico, ou seja, articula
o natural e o cultural como as duas imagens de seu espelho. E negar a
possibilidade dessa articulação é falta de análise da própria teoria, o que
sintomatiza a psicanálise em um narcisismo da sua pequena diferença (a
diferença físico x psíquico), e, ao invés de trabalhar no sentido da dissolução
das barreiras entre as oposições, que é o próprio movimento de cura na
psicanálise, o próprio movimento do inconsciente, esse ‘combate’ só faz
reforçar ainda mais a resistência a
esse movimento. Por isso, “é legítimo aplicar o método psicanalítico à
coletividade que o sustenta” (LACAN, 1998, p. 245), para ver se a teoria não se
reduz a palavras gastas (LACAN, 1986, p. 9), já que o pensamento freudiano é o
mais perpetuamente aberto à revisão (Ibid.). Não é preciso ficar na defensiva,
na onda paranoica de combate a outras teorias da mente, pois se a psicanálise e
a neurociência dissolverem suas fronteiras, como quem dissolve a barreira
físico/psíquico, isso não invalida ou apaga a lógica que Freud trouxe; pelo
contrário, ratifica-a. A psicanálise não perderá seu lugar, sua especificidade
no mundo; apenas efetivamente integrará e terá sido integrada por outros
saberes que estão no mesmo campo lógico que ela (tal como Lacan fez ao
articular a psicanálise a tantas outras disciplinas). E aí, ela nem precisará
se chamar “Psicanálise” mais; poderia
ser Físicanálise, ou qualquer outro nome. A lógica terá sido preservada, porque
ela é homogênea aos dois campos. Pois uma vez que a principal pesquisa da neurociência é, como diz Ramachandran, a instanciação
do sentido pelos neurônios, e uma vez que a lógica do sentido é a estrutura
catóptrica descoberta no inconsciente por Freud, fica claro que o Inconsciente é o Santo Graal da neurociência,
por ser a lógica da articulação de oposições a partir da qual o sentido, logicamente humano,
é gerado nesta espécie particular de macaco, chamado Homo Sapiens Sapiens.
REFERÊNCIAS:
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
_____________. O Seminário, livro
19. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.
_____________. O Seminário, livro
17. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
_____________. O Seminário, livro
1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
QUINET, Antonio. Os Outros Em Lacan.
Rio de Janeiro; Jorge Zahar, 2012.
________________________ b. Take the neuron express for a brief tour of consciousness.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ojpyvpFLN6M
FREUD, Sigmund. A Interpretação
dos Sonhos. ESB, vol. V. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
______________. Projeto Para uma
Psicologia Científica. ESB, vol 1. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
_______________. AmaZonas. Rio de
Janeiro: Novamente ed., 2008.