domingo, 23 de dezembro de 2012

O preço da democracia

A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou, na última sessão do ano de 2012, o aumento de 34% no salário dos vereadores e do prefeito. Isso uma semana depois de tentar requerer junto ao supremo que tivesse o direito de investir menos em educação, pois iria prejudicar a Copa.

Ao ter acesso à lista dos votos dos vereadores, não me surpreendeu que a esmagador maioria deles votou 'sim', aumente o salário. Mas quando vi que Arnaldo Godoy votou com a maioria, aprendi que é realmente importante manter a postura de suspensão e suspeição para com qualquer coisa; minha surpresa me fez enxergar que acreditar cegamente em alguma coisa (no caso, um político) é idiotia. Pois por mais que ele tenha uma grande história política pela Câmara, Godoy (e nem ninguém) está isento de ser idiota. Como eu lhe escrevi, um voto desse num momento político como o que estamos vivendo não se justifica.

Minha questão começa precisamente pela justificativa que Godoy deu a seus eleitores, dentre os quais me incluo - ou incluía. Ele usou o argumento da legalidade da sua atitude, pois houve desvalorização do seu salário (RS 9.000, diga-se de passagem) devido à alta da inflação. Tudo bem, só acho que tinha que aumentar 34% no salário de todos, não apenas dos políticos, pois o salário de todos se desvalorizou; e se não desse pra aumentar todos ao mesmo tempo, uma vez que iria quebrar o país, então que se aumentem salários de outras categorias sociais primeiro, pois a prioridade não pode ser dos políticos (que, apesar de verem seu dinheiro desvalorizado, ainda ganham muito bem), mas sim da educação, saúde, moradia, saneamento básico, etc... É isso que o político tem que fazer valer, e não aprovar, por exemplo, uma Copa do Mundo que, ao invés de investir na população, investe nas empresas que fazem o evento.


Aliás, algum político perguntou pra algum brasileiro se ele queria ou não a Copa?

Mas achei o fim da picada mesmo foi um vídeo feito no início do ano em que ele é questionado sobre a justiça do valor que se pagam a vereadores. Eis aqui:

https://www.facebook.com/photo.php?v=460220420682560

A declaração "a democracia é cara. Vocês querem o quê? Uma ditadura?", que consta no vídeo, me parece um grande erro de entendimento da situação política atual por parte de Godoy. 

Isso porque José Saramago, por exemplo, nos alerta sobre a falsidade da democracia em que vivemos. Essa chamada 'democracia' está subdita aos interesses do capital, concentrado nas mãos da minoria absoluta no planeta. Veja o que Saramago diz:


Se a democracia é controlada pelas grandes corporações é justamente porque elas a COMPRAM com seu dinheiro. E, dinheiro, todos sabemos, quem tem, manda, quem não tem, obedece... 

Se Arnaldo Godoy diz que a democracia é cara, com isso justificando o preço de seu salário, é porque ele está efetivamente tentando comprá-la, ao invés de usar seu poder político para tentar reformular a configuração político-econômica atual de modo que a democracia não precise ser comprada, mas sim conquistada socialmente, sejamos ricos ou pobres, tenhamos ou não dinheiro para pagar por ela. Falar que está tentando comprar a democracia é agir em prol de uma "ditadura econômica", como Saramago coloca, e que é precisamente a 'democracia' em que vivemos: comprada por aqueles 10% que detêm o poder de usufruir dela. A democracia só existe naquela fatia social que consegue comprá-la, o resto vive efetivamente uma ditadura econômica em que seus destinos são decididos pelos que estão no poder, e ainda batem palmas, como defende Godoy, achando que vivem numa democracia.

Aí me pergunto: democracia tem preço? É cara?

Sim, tem: com certeza ela não acontece de graça. Mas esse preço deve ser político, e não financeiro (como foi, por exemplo, a compra de apoio político de parlamentares via mensalão). O preço da democracia é a luta política para se desvencilhar dessa ditadura econômica, que concentra a democracia nos top 10% que ditam os rumos econômicos do mundo para onde interessarem apenas a eles, e não ao resto dos 90%. E é para isso que votamos nos políticos (pelo menos é por isso que eu voto): para que eles possam fazer o trabalho de distribuição econômica e financeira o mais igualitariamente possível. Não para que eles contribuam com a própria política que impossibilita isso. Imagina se todo mundo pensasse que o jeito é comprar a democracia! Vladimir Safatle, professor de Filosofia na USP, nos mostra que é possível ter o direito à democracia, sem precisar de comprá-la...


A democracia é cara, sim, mas seu valor não é mensurável em reais, ou dólares, ou euros; é em projetos políticos, ideias e mudanças mentais nas pessoas. Esse é o preço que ela realmente custa.

Então, vamos fazer uma vaquinha?


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A instância do bit no inconsciente ou a razão desde o quantum

“Suponhamos que vejo diante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá dela: ‘aquela rapariga parece um rapaz’. Um outro ente humano vulgar, já mais próximo da consciência de que falar é dizer, dirá dela: ‘Aquela rapariga é um rapaz’. Outro ainda, igualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do afeto pela concisão, que é a luxúria do pensamento, dirá dela ‘Aquele rapaz’. Eu direi ‘Aquela rapaz’, violando a mais elementar das regras da gramática, que manda que haja concordância de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito.

A gramática, definindo o uso, faz distinções legítimas e falsas. Divide, por exemplo, os verbos em transitivos e intransitivos; porém, o homem de saber dizer tem muitas vezes que converter o verbo transitivo em intransitivo para fotografar o que sente, e não para, como o comum dos animais homens, o ver às escuras. Se quer dizer que existo, direi ‘Sou’. Se quer dizer que existo como alma separada, direi ‘Sou eu’. Mas se quiser dizer que existo como entidade que a si mesmo se dirige e forma, que exerce junto de si mesma a função divina de se criar, como hei-de empregar o verbo ‘ser’, senão convertendo-o subitamente em transitivo? E então, triunfalmente, antigramaticalmente supremo, direi ‘Sou-me’. Terei dito uma filosofia em duas palavras pequenas. Que preferível não é isso a não falar nada em quarenta frases? Que mais se pode exigir da filosofia e da dicção?

Obedeça à gramática quem não sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar nas suas expressões” 

(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, #87)



“L’Inconscient est structuré comme un langage” 

(Jacques Lacan, 1953)


Todo o ensino proposto por Jacques Lacan (1901-1981) foi o de sustentar o cerne da descoberta freudiana a partir da interrogação sobre o campo de sua atuação: o da linguagem. Como é que a fala tem o poder de curar? Ou adoecer? O que é a fala, qual é o seu campo, a sua lógica? Esse questionamento atravessa sua obra de ponta a ponta em dois grandes ‘classicismos’, como diz Jean-Claude Milner, que se constituem como respostas ao que se quer dizer quando se fala da linguagem.
 
No chamado ‘primeiro ensino’, Lacan propõe que o psicanalista se abdique de ser psicólogo, ou seja, não busque tentar entender o que é o pensamento, qual é a sua essência, e se concentre apenas com o dado ’empírico’ que ele tem para atestar efeitos do inconsciente freudiano: a função da fala no campo da linguagem; é assim que se exprime o mote de seu primeiro ensino. “Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispõe apenas de um meio: a fala do paciente” (LACAN, 1996, p. 249). De modo que nesse primeiro ensino, Lacan tenta buscar a estrutura lógica do inconsciente na linguagem, e, para tal, servindo-se especialmente da linguística estrutural, que, segundo ele, se apresentava à época numa posição-piloto na conquista do status de objeto científico pela linguagem (LACAN, 1996, p. 499). Se o inconsciente é estruturado como uma linguagem, estudemos o que a linguagem é, cientificamente.

Se a obra de Freud só trata de processos de produção de sentido, de significação, Lacan destaca da linguística as duas funções engendradas numa significação: a função significante (que é o material que significa o significado) e o significado (que é aquilo a que o significante se refere). “A temática desta ciência [a linguística], por conseguinte, está efetivamente presa à oposição primordial do significante e do significado, como ordens distintas e inicialmente separadas por uma barra resistente à significação.” (LACAN, 1996, p. 500): “eis o que tornará possível um estudo exato das ligações próprias do significante e da amplitude da função destas na gênese do significado.” (LACAN, 1996, p. 501). O que implica que significado só surge quando dessas ligações entre significantes, quer dizer, a primazia do significado é o significante, porque o significado de um significante é outro significante, articulação essa que forma uma cadeia interminável em que os significantes se significam mutuamente quanto mais se articulam entre si. “Ora, a estrutura do significante está em ele ser, como se diz comumente da linguagem, articulado” (LACAN, 1996, p. 504). Assim, a introdução do estudo da linguística na psicanálise é para que se entenda que a estrutura que Freud destaca no inconsciente é uma estrutura de linguagem, quer dizer, de articulação, implicando, a partir da oposição significante/significado, que o significante não tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer (LACAN, 1996, p. 501), ou seja, o significante pode ter qualquer significado: basta alterar sua articulação. “A descoberta de Freud é a do campo das incidências, na natureza do homem, de suas relações com a ordem simbólica, e do remontar do seu sentido às instâncias mais radicais da simbolização no ser. Desconhecer isso é condenar a descoberta ao esquecimento, a experiência à ruína” (LACAN, 1996, p. 277). A ordem simbólica é a lei do significante: “isso quer dizer que suas unidades (...) estão submetidas à dupla condição de se reduzirem a elementos diferenciais últimos e de os comporem segundo as leis de uma ordem fechada. Esses elementos, descoberta decisiva da linguística, são os fonemas” (LACAN, 1996, p. 504). Ainda Lacan: “a forma de matematização em que se inscreve a descoberta do fonema, como função dos pares de oposição compostos pelos menores elementos discriminativos captáveis da semântica, leva-nos aos próprios fundamentos nos quais a doutrina final de Freud aponta, numa conotação vocálica da presença e ausência, as origens da função simbólica” (LACAN, 1996, p. 286). Lacan está dizendo que a estrutura simbólica, a estrutura do significante, é sempre uma estrutura de oposição entre diferenças. Um significante é sempre uma oposição para com outro significante, que é seu significado. São pura e simplesmente articulações de diferenças; as diferenças no interior de uma estrutura de uma língua são os fonemas. “A primeira rede, a do significante, é a estrutura sincrônica do material da linguagem, na medida em que cada elemento adquire nela seu emprego exato por ser diferente dos outros” (LACAN, 1996, p. 433) (grifos meus). (‘Material’ da linguagem? O que é ‘material’? O que é matéria? Até onde se fala, matéria é algo físico. A linguagem não é algo físico para Lacan, mas tem materialidade. Retornaremos a isso para redefinição do que seja matéria). E, para arrematar, Lacan nos indica a mais elementar, a mais nuclear sequência simbólica, “a de uma série linear de sinais que conotem a alternativa da presença e ausência” (LACAN, 1996, p. 433). Assim, resumo: o inconsciente freudiano, para Lacan em seu primeiro ensino, é a estrutura em que elementos diferenciais, opositivos, (fonemas) se articulam, significantemente, para assim engendrar significados a esse material.

É importante salientar que, com seu recurso à linguística, Lacan queria escapar de “qualquer semiologia mais ou menos hipoteticamente generalizável” (LACAN, 1996, p. 499), para se ater ao “estudo das línguas existentes em sua estrutura e nas leis que nela se revelam” (ibid.), cuja posição piloto na ciência da linguagem a linguística se constituía para Lacan. Isso implica a exclusão da referência a outras disciplinas, como a teoria dos códigos abstratos ou a teoria da informação, constituída pela física (Ibid.). Isso porque Lacan, em seu primeiro ensino, destacava a primazia da intersubjetividade da linguagem em oposição à intra-subjetividade: “à medida que a linguagem se torna mais funcional, ela se torna imprópria para a fala (tipo alguém que só fale frases prontas, por exemplo), e ao se nos tornar demasiadamente particular, perde sua função de linguagem (tipo um doido de pedra delirando)” (LACAN, 1996, p. 300). “Finalmente, é por uma intersubjetividade do ‘nós’, que ela [uma pessoa] assume que se mede numa linguagem seu valor de fala” (Ibid.). Isso significa que, para Lacan, a linguagem não é redutível à informação. A informação exclui o que se chama de redundância, que é tudo o que for supérfluo para a constituição da informação. “O sentido de uma mensagem continua inalterado mesmo se partes dela forem removidos. Essa é a essência da redundância” (SEIFE, 2010, p. 17-8), ou seja, a informação é a mensagem menos sua redundância. Para Lacan, a mensagem do sintoma implica sua redundância, pois como ele mesmo diz: “o que é redundância para a informação é precisamente aquilo que, na fala, faz as vezes de ressonância” (LACAN, 1996, p. 300), ou seja, leva à informação ‘contida’ no inconsciente. Com isso, Lacan dá uma dica clínica muito precisa: é como se o sintoma, ele mesmo, fosse a redundância cuja informação está recalcada, de modo que é destacando redundâncias na fala do paciente que se chega ao núcleo informacional do inconsciente. A linguagem, do inconsciente, é de redundância, ou seja, de ressonância, pluralidade de sentido, e não a informação completa, irredutível em seu sentido. A função da linguagem no inconsciente “não é informar, mas evocar” (LACAN, 1996, p. 301). Ao que completo: “não é informar, mas e(qui)vocar”. Lacan quer dizer então que a informação é a anexação de um significante a um significado de maneira cabal, não passível de outros sentidos, e o significante verdadeiramente significante não tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer, já que qualquer significação lhe é possível. O que há de diferente entre a informação e o significante é, principalmente, a capacidade de superposição do significante (LACAN, 1996, p. 553), destacada por Lacan no advento do sintoma, que é metáfora: “Quero apenas indicar o fato de que, do mais simples ao mais complexo dos sintomas, a função do significante revela-se preponderante, por surtir efeito neles já no nível do trocadilho” (LACAN, 1996, p. 448), o qual nada mais é do que a dita superposição de significantes. Já a informação, para Lacan, não é trocadilho, não é redundância, não é equívoco, não é metáfora; são as “coalescências do significante com o significado às quais toda resistência se agarra, toda sugestão se alicerça” (LACAN, 1996, p. 440). Será mesmo?...

Lacan, ao longo de seu ensino, começa a perceber que essa decifração das mensagens cifradas que constituem os sintomas não são suficientes para resolvê-los. Se num primeiro momento, Lacan dizia que “já está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por inteiro numa análise linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1996, p. 270), após alguns anos, reformula o que pensa, constituindo assim seu ‘último ensino’. Primeiro, a gênese da função de significação é deslocada do simbólico para o real. “O real é o que comanda toda a função da significância. O real é aquilo com que vocês deparam, justamente por não poderem escrever em matemática seja o que for. O real é o que concerne a que, no que é a função mais comum, vocês se banham na significância, mas não podem segurá-los todos ao mesmo tempo, os significantes. Isso é proibido pela própria estrutura deles. Quando vocês têm alguns, um embrulho deles, não têm todos. Eles são recalcados. Isso não significa que vocês não os digam, ainda assim”( LACAN, 2012, p. 29). Essa mudança na orientação de seu ensino significa que, para Lacan, a última palavra sobre a estrutura do inconsciente não é a linguagem, mas a lógica. “O real pode se definir como o impossível, é como ele se revela no assentamento do discurso lógico. Esse impossível, esse real, deve ser privilegiado por nós. Nós quem? Os analistas. Isso porque ele é o paradigma do que questiona o que pode sair da linguagem. (...) Proponho a encontrar nesse real que se afirma pela interrogação lógica da linguagem o modelo do que nos interessa, ou seja, do que a exploração do inconsciente revela” (LACAN, 2012, p. 40). Lacan procura pelo fundamento lógico da linguagem: qual é a lógica que exploração do inconsciente revela?

Lacan se faz esse questionamento porque “o que Freud descobre no inconsciente (...) é algo bem diferente de nos darmos conta que, grosso modo, podemos dar um sentido sexual a tudo que sabemos. (...) É o real que permite desatar efetivamente aquilo em que consiste o sintoma, a saber, um nó de significantes. Atar e desatar aqui não são apenas metáforas, mas a serem apreendidos como os nós que realmente se constroem ao formarem cadeia com a matéria significante. Pois essas cadeias não são de sentido (sens, em francês), mas de gozo-sentido (jouis-sens, jouissance, j’ouis sens são grafias possíveis para a palavra falada), a ser escrito como quiserem, de conformidade com o equívoco que constitui a lei do significante” (LACAN, 2007, p. 515). Assim, não é mais o simbólico que resolve o sintoma por inteiro numa análise de linguagem. Não é a via dos diversos sentidos que Lacan promove aqui, pelo contrário, é fazer surgir no sintoma o não senso radical de seu sentido, uma vez que “o significante se distingue por não ter nenhuma significação” (LACAN, 2012, p. 217). Ora, se o significante não tem nenhuma significação, o que é o sintoma, então? “Sintoma é aquilo que vem do real” (LACAN, A Terceira), o que implica que “a linguagem não é, ela mesma, uma mensagem, mas se sustenta apenas pela função do que chamei de furo no real” (LACAN, 2007, p. 32). Esse furo é simplesmente a marca distintiva que cada significante constitui: uma diferença pura, sem remeter a nenhuma outra, ou seja, sem fazer sentido algum: um limbo entre significações. Tomemos o que Freud falou sobre a significação antitética das palavras primitivas: uma palavra que significa seu próprio contrário. Por exemplo, a palavra em inglês get. Ela significa tanto dar quanto receber; essa oposição entre significados é o próprio simbólico: OU ela significa dar OU receber: um sentido de cada vez. Mas quando Lacan quer privilegiar o real da linguagem ele não quer se situar numa oposição, pois a linguagem é oposição, ou seja, um significante enquanto Outro significante. Lacan quer sair fora do ‘que é que isso significa?’, ou ‘fale mais sobre isso’ (até porque isso é muito limitado na prática clínica), ou seja, quer sair da implicação de que há sempre outro sentido para aquilo, para fazer algo com o que se diz de maneira não opositiva, o que significa suspender radicalmente o sentido do sintoma, e não buscar outro. Essa suspensão só se dá pela função do real, que não privilegia Outros sentidos, mas o não-senso do próprio sentido, que não passa de articulação, em nós, dos significantes. O real não está no campo opositivo dos significantes, em que um significante sempre tem que significar outro, mas na pura neutralidade da falta de sentido radical para o significante – que a partir daí pode ter quantos sentidos se queiram, quantas articulações forem possíveis. E Lacan é textual: “eu garanto que em uma frase pode se fazer com que qualquer palavra venha a dizer qualquer sentido” (A Terceira). Nisso, a psicanálise tem que se distanciar da linguística como o fundamento da estrutura do inconsciente, que é essa neutralidade que só atestamos a partir do não senso do simbólico. Se num primeiro momento Lacan diz que a estrutura é de linguagem, fica claro que nesse segundo tempo Lacan fala que “a estrutura é lógica” (LACAN, 2012, p.  38).

Em quê a lógica serve a um psicanalista? Lacan se serve dela para sair do que ele próprio chamava de anedotário. Uma anedota é uma conteudização conceitual; por exemplo, que o complexo de castração se resume a o pai dizer que vai cortar a piroquinha da criança fora, ou que o Complexo de Édipo é “filho-quer-comer-mamãe/filho-quer-matar-papai”. Esses são conteúdos da lógica que rege o Inconsciente. Por outro lado, todo o esforço que Lacan procura é entender como o inconsciente funciona em termos puramente lógicos, que simplesmente exprimem o modo de funcionamento de determinado mecanismo. O movimento de Lacan é de afastamento progressivo das anedotas

para a relação puramente diferencial da equação matemática, própria ao manejo científico do simbólico depurado do imaginário. O discurso da ciência se vale da letra matemática como colocação em ato daquilo que Jacques-Alain Miller nomeia de significante sem intenção, na medida em que o elemento que se “literaliza” na fórmula científica por si só não quer dizer nada a ninguém; ele somente vale como peça da engrenagem mecânica que a fórmula matemática exibe (TEIXEIRA)

A psicanálise, a partir de Lacan, começa a fazer um uso científico da lógica matemática para desconteudizar, depurar simbolicamente os conceitos freudianos e dar-lhes maior rigor ao reduzi-los a relações entre diferenças, expressas com letras, tal como uma fórmula científica, para que o psicanalista não caia na tentação dos conteúdos do inconsciente, suas casuísticas. A conceituação do inconsciente “não pode reduzir-se à anedota, ao acidente” (LACAN, 2012, p. 40); o que interessa é o vazio da estrutura, e não conteúdos anedóticos. Sem o uso vazio da lógica torna-se impossível continuar a trilhar um caminho mais científico, ou seja, mais desconteudizado, para a psicanálise. É como Lacan diz: “o discurso analítico não é um discurso científico, mas um discurso cujo material a ciência nos fornece, o que é bem diferente” (2012, p. 136)

Ora, se desde a morte de Lacan, muita coisa aconteceu no campo da ciência, da lógica, não é possível parar no ponto em que Lacan nos deixou ao morrer. É sempre necessário continuar a submeter a teoria psicanalítica à análise, quer dizer, perenemente exercitar o trabalho de bem dizê-la; sem isso, a teoria lacaniana também se torna um novo anedotário. Lacan bem sabia que suas próprias ideias poderiam cair nessa armadilha, e até por isso seu ensino teve uma virada ao privilegiar a abordagem lógica do real do inconsciente ao invés da sua suposta estrutura de linguagem, que figurava nos primeiros anos de suas formulações. Assim, nosso esforço aqui é o de prescindir de certas formulações fundamentais que Lacan trouxe para a psicanálise com a condição de nos servirmos precisamente delas para a realização de tal tarefa. Seguiremos Lacan por um caminho por onde ele não foi.



Então o questionamento que nos trouxe até aqui por ora é o mesmo de Lacan: como a fala pode adoecer ou curar? O que é a fala?

Vimos que um primeiro Lacan supôs ser a linguagem a estrutura dos efeitos patológicos ou curativos da fala. Vimos um segundo Lacan que tentou entender essa linguagem em termos puramente lógicos, e não propriamente linguageiros, o que afastou a psicanálise de um anedotário linguístico para a fundamentação do conceito de inconsciente. Tudo o que for de acordo com a lógica do inconsciente serve para estruturá-lo, não apenas a linguagem, pois também há o real. E, para Lacan esse real é lógico, ou seja: mostra o limite da linguagem quanto ao que ela pode formular sobre si mesma. Ela não pode formular o que não seja opositivo, e é nisso que reside o núcleo do real.

Recordemos o que é simbólico e o que é real. O simbólico é inteiramente redutível a um sistema opositivo, como sim/não, presença/ausência, S1/S2, ou mesmo 0 e 1, como diz Lacan: “a articulação significante é de tal forma sua hora e seu lugar que a verdade não é nada senão essa articulação. (...) A verdade pode ser construída unicamente a partir de 0 e 1. Isso só foi feito no início do século passado, em algum ponto entre Boole e De Morgan, com o despontar da lógica matemática” (LACAN, 2012, p. 168). Já o real não é o simbólico, logo, ele não é opositivo. “Disse-lhes a esse respeito [do real], que não há relação sexual. Mas isso é divagação, porque faz parte do sim ou não. A partir do momento em que digo não há já é muito suspeito que não seja verdadeiramente um pedaço de real, posto que o estigma do real é a de a nada se ligar” (LACAN, 2007, p. 120). “Todo objeto, exceto o objeto que chamo de pequeno a, que é um absoluto [ou seja, não tem oposição], concerne a uma relação. O aborrecido é que haja a linguagem, e nela as relações se exprimem com epítetos. Os epítetos, por sua vez, impelem ao sim ou não” (LACAN, 2007, p. 116-7 – grifo meu), o que evidencia que qualquer significante que ocupe a neutralidade absolutamente indiferente do real implica em uma oposição, uma polarização. “Impelir ao sim ou não é impelir ao par” (ibid., p. 117), ou seja, ao par significante, pois o significante é sempre Outro, de modo que é pura diferença, pura polarização.

Então temos o simbólico como produção de diferenças, oposições, e suas decantações imaginárias, e o real como uma neutralidade para além, ou aquém, delas. No que ele não é opositivo, o real inclui em si as oposições , mas em um indiscernimento no qual  não se trata de uma conjunção dessas oposições, como se elas fossem uma coisa só, duas ‘metades da laranja’, mas pelo contrário, é indiscernimento, em que não se sabe distinguir uma oposição da outra no mesmo significante. É da ordem do Um, mas não da fusão dos dois, e sim na indiferença, na neutralidade entre eles: “A mim, o que me interessa é o significante enquanto Um, e o único interesse do significante são os equívocos que podem sair dele, da ordem do fundir dois em Um e outras bobagens deste tipo” (LACAN, 2012, p. 201) “Isso significa, no plano da verdade, que a verdade só pode falar ao se afirmar, conforme a ocasião, como foi feito durante séculos, como a verdade dupla, mas nunca a verdade completa” (LACAN, 2012, p. 169). Essa duplicidade da verdade, essa duplicidade do significante é que fundamenta a lógica do inconsciente. Mas se a verdade é inteiramente redutível a 0 ou 1, e o real não é opositivo, como conciliar real e simbólico, linguagem e lógica?



Já que Lacan se serve da ciência para buscar o material discursivo da psicanálise, por quê não o faríamos?

Já vimos que Lacan não considera a teoria da informação compatível com a descoberta freudiana por ela não se prestar ao real equívoco da redundância. Para Lacan, a informação não se equivoca, não ressoa. E é nisso que reside o real da linguagem, tal como ele entende: a neutralidade bífida do equívoco significante.

No entanto, os desdobramentos da lógica trazida pela mecânica quântica implicam em uma abstração da teoria quântica para além da própria física. O que se introduziu com o nome de teoria da informação quântica chacoalhou diversos setores, da lógica até a cosmologia, isso sem mencionar a principal aplicação dessa teoria: a computação. Com seu conceito de bit quântico, ou q-bit, essa ciência reduziu todo o universo físico à lógica RSI, quer dizer, ao que tudo o que há se resume: pura informação. Mas para compreender o q-bit é necessário partir do bit clássico, não-quântico.

Um bit clássico representa “uma unidade de informação” (OLIVEIRA, 2009, p. 93). E o que é uma informação? No Dicionário etimológico, o vocábulo ‘informação’ é remetido ao vocábulo ‘forma’, lá sendo descrito como ‘configuração’. O físico Leonard Susskind muito simplesmente o descreve da seguinte maneira: “informação significa distinções entre as coisas” (SUSSKIND, citado por MOYER, 2012, p. 37). Temos aí, com todas as letras, e a seus pés, o simbólico. A distinção que um bit comporta é a própria distinção entre Um e Outro significante, entre uma e outra diferença qualquer, mas que comumente é expressa ou por 0 ou por 1. E o valor que será assumido por esse bit (0 ou 1, presença ou ausência) constitui sua posição na significação, ou seja, sua decantação imaginária em apenas uma das suas possibilidades simbólicas.

Se Lacan buscava fundamentar a psicanálise o mais matematicamente possível, ele não deveria ter ignorado, como o fez, a teoria da informação, até porque “o bit é um conceito matemático, ou seja, sua definição independe de podermos ou não representa-lo por objetos reais” (OLIVEIRA, 2009, p. 94), em conformidade ao seu próprio movimento de desconteudização do anedotário psicanalítico. Mas talvez isso se deva ao fato de que o bit ainda é um conceito clássico, simbólico-imaginário, justamente por ser opositivo. Um bit só pode funcionar classicamente, em estados ortogonais, ou como 0 ou como 1. E, com certeza, Lacan, na pegada de Freud, buscava fundamentar a psicanálise pela neutralidade opositiva do real: “a alternativa ou...ou nunca se expressa nos sonhos” (FREUD, 2006, p. 679)

Mas com o advento da física quântica, o que acontece é que a informação passa a funcionar também de acordo com leis quânticas; se o real quântico é precisamente o indiscernível a partir de onde articulam as possibilidades simbólicas, fora de seu sistema de oposição, a informação quântica se estrutura dessa mesmíssima maneira. De modo que um bit quântico, ou q-bit, admite um real em que é impossível distinguir entre as suas possibilidades simbólicas, nomeadamente 0 e 1, em que ambas se apresentam nessa própria indiscernibilidade, do mesmo modo que a função de onda na física quântica engloba todas as possibilidades de atualização, e da mesma forma com que o real se apresenta na linguagem como exterior a seu sistema opositivo. O q-bit é o que na teoria da informação implica o surgimento do real, ou seja, da indistinção, do equívoco, no seio da própria informação. “Já afirmei que o “ou...ou” empregado no relato do sonho deve ser traduzido por “e” (Ibid.), diz Freud com todas as letras, se referindo à neutralidade do ‘elemento comum’ no inconsciente.

Aqui é necessário um pouco de topologia para entender a relação do q-bit com o real da linguagem. Podemos fazer um recurso à banda de Möebius para esclarecer um q-bit.

A topologia da banda de Möebius, ou contrabanda, além de sua unilateralidade, de suas únicas borda e margem, tem como principal atributo o fato de que sua orientação não é de forma alguma unívoca, a exemplo de um cilindro; ela apresenta diferença ao longo de seu percurso longitudinal. O que, ao início do trajeto, tinha uma orientação dextrógira, ao passar no mesmo ponto, “do outro lado” da fita, será levógiro. E é essencialmente o fato desse avessamento da orientação que define a própria estrutura de contrabanda.


Matemáticos consideram que uma superfície assim é não orientável, no que não se pode determinar o sentido de seus pontos. Mas, tomando em Freud a Significação Antitética das Palavras Primitivas, onde ele mostra que algo se representa pelo seu oposto, e O Estranho, que em alemão, das Unheimlich, significa tanto ‘estranho’ como ‘familiar’, podemos, como o fez originalmente MD Magno, fazer uma contribuição psicanalítica à topologia ao postularmos que os pontos da contrabanda não são não-orientáveis, mas sim que ora eles se orientam em um sentido, ora em outro, “sendo que, tomada uma das orientações, a outra responde à primeira, como fundo, ou como eco, ou horizonte de sua revirada” (MAGNO, 1986, p. 212), da mesma forma que um significante depende do Outro, em uma remissão a ele, como horizonte de sua própria significação.

O que é dizer que, na verdade, os pontos de uma contrabanda não são precisamente bi-orientados, mas anfi-orientados, isto é, podendo passar, como de fato passam, de um para o outro lado (não lados da uniface, pois ela é a mesma, mas) dos dois cortados, ali oposta ou pelo menos diferentemente orientados quando age a sexão que sexiona, que fende o ponto único originário o qual, agora se torna dois, secados ou sexuados (MAGNO, 1986, p. 212).

Em suma, esse ponto, bífido, onde o significante revira, é um ponto de equivocação entre as (duas) possíveis orientações na superfície, no que ele não se orienta nem para um lado, nem para outro, sendo ele próprio um além dessas orientações, (des)contínua a elas: um terceiro, que manifesta a neutralidade com relação às oposições vigentes das orientações, permitindo a transiência, a transa, senão mesmo transação, entre o Um e o Outro. Da mesma forma, o Unheimlich ora se orienta para o familiar e ora para o estranho, passando por um equívoco de seu sentido, que nada mais é do que seu decaimento instantâneo em neutralização, não-senso, apenas como um som, mas que imediatamente recai em Outro sentido; em algum lugar da superfície (lugar esse insituável, como o real, mas necessariamente suponível), o significante se desloca de uma (o)posição a outra. Daí poder-se propor que “o significante é, ao mesmo tempo, um-dois, um-bífido” (COUTINHO JORGE, 2005, p. 105), um halo composto de dois alelos.

Eu quis dizer que todo impacto real que resulta em significante se apresenta, necessariamente, como um revirão em percurso sobre uma superfície unária, no oito interior[1], no qual a posição tética de um sexo impõe a posição anti-tética, ainda que sombreada, do outro sexo (MAGNO, 1987, p. 146).

Assim, o que acontece com um q-bit é que a oposição não existe nesse ponto bífido, onde há uma indistinção entre 0 e 1. No entanto, ambos se reduzem a esse terceiro, que é neutro, no qual ambas as possibilidades simbólicas de discernimento estão reduzidas a esse Um real, indiscernível, que é uma superposição significante, ou, mais especificamente, uma superposição de estados lógicos das distinções, dos bits. Não é possível saber simbolicamente o que ocorre nessa superposição, o modo como ambas as distinções participam desse mesmo real, mas essa bifididade significante ocorre segundo uma lógica quântica. É como Freud, passando de “ou...ou” a “e”.

“O sujeito participa do real, justamente, por ser aparentemente impossível. Ou, melhor dizendo, se tivesse que empregar uma figura que não surge aí por acaso, diria que ocorre com ele o que ocorre com o elétron, no ponto em que este se propõe a nós na junção da teoria ondulatória com a teoria corpuscular. Somos forçados a admitir que é precisamente como sendo o mesmo que esse elétron passa ao mesmo tempo por dois buracos distantes” (LACAN,, 1992, p. 172 - grifo meu).

“O real não é o mundo. Não há nenhuma esperança de atingir o real pela representação. Não vou começar a arguir aqui a teoria dos quanta, da onda, do corpúsculo. Seria melhor de qualquer forma que vocês estivessem por dentro, mesmo que isso não lhes interesse” (LACAN, A Terceira).

De modo que, se um bit é binário, ou seja, cujos valores se resumem a duas possibilidades ortogonalmente alternadas, quer dizer, a uma oposição, clássica como tal, um q-bit se define por ser bífido, no qual, além das duas possibilidades, representadas na oposição 0 ou 1, há uma terceira possibilidade, que é o indiscernível para além da oposição binária: ne-uter significa em latim ‘nem um, nem outro’ - neutro. No nível da informação quântica, os processos se dão nessa lógica real, de modo que o processamento fundamental da informação no inconsciente é quântico. Assim, as propriedades dos elementos inconscientes no psiquismo, por exemplo, oscilam entre serem binários, ou clássicos (o que acontece na maioria do tempo), e bífidos, ou quânticos (segundo a lógica do real que a psicanálise nos traz), tal como a matéria física.

Essa concepção dos elementos do inconsciente como q-bits se mostra ainda mais fecunda quando analisamos o processo denominado por Freud de elaboração onírica, ou seja, o trabalho de ciframento do sonho. Ora, o que é cifrar? É, como Freud diz, transformar o conteúdo latente do sonho em conteúdo manifesto. Como isso acontece? Das mais variadas formas: "os pensamentos oníricos a que chegamos por meio da análise revelam-se como um complexo psíquico da mais intrincada estrutura possível. Suas partes mantêm entre si as mais variadas relações lógicas, representam primeiros planos e panos de fundo, condições, digressões e ilustrações, sequências de prova e contra-argumentações. Não falta a esse material nenhuma das características que nos são familiares por nosso pensamento de vigília, Ora, quando tudo isso tem de ser transformado num sonho, o material psíquico é submetido a uma pressão que o condensa enormemente a uma fragmentação interna e a um deslocamento que criam, por assim dizer, novas superfícies". (FREUD, 2006, p. 678). Essas superfícies, essas maneiras de cifrar o conteúdo latente em manifesto são a essência do que a teoria da informação chama de criptografia; se, num primeiro momento de Lacan, o sintoma era uma mensagem que devia chegar a seu próprio emissor, de maneira inversa, como ele mesmo dizia, temos a transmissão da informação (dita transferência em termos psicanalíticos) para uma redundância, que se constitui como redundância dessa informação, ou seja, como sintoma dessa informação. É só ver que o sonho é um rébus, ou seja, a codificação da informação em redundância; essa última nada mais é do que a regra que permite o próprio código ser decifrado. Ou seja, o sintoma, enquanto redundância, carrega em si mesmo a chave de sua própria decifração, de acordo com o modo pelo qual se apresenta, se articula: “Elipse e pleonasmo, hipérbato ou silepse, regressão repetição, aposição, são esses os deslocamentos sintáticos, e metáforas, catacrese, autonomásia, alegoria, metonímia, e sinédoque, as condensações semânticas em que Freud nos ensina a ler as intenções ostentatórias, ou demonstrativas, dissimuladoras ou persuasivas, retaliadoras ou sedutoras com que o sujeito modula seu discurso onírico”. (LACAN, 1996, p. 269) A redundância são precisamente esses métodos, na estrutura do inconsciente, que permitem a transferência da informação do emissor para o receptor (que é o próprio emissor, como diz Lacan); ela é também a chave que destrava o código, quer dizer, o que faz ressoar.

“A ideia de criptografia é muito simples. Suponha que se queira enviar uma mensagem secreta de um ponto a outro. Digamos que seja a palavra COMPUTADOR. Antes, porém, é preciso inventar uma regra para criptografar a mensagem. Uma regra muito simples, que teria sido usada elo imperador romano Júlio César, consiste em substituir cada letra da mensagem pela terceira letra subsequente. Com essa regra, a mensagem COMPUTADOR se torna FRPZXDGRU. Uma regra um pouco mais complicada que essa: substituir as letras nas posições pares (O, P, T, D, R) pela terceira letra subsequente, e aquelas nas posições ímpares (C, M, U, A, O) pela terceira letra precedente. Existem infinitas possibilidades! Mas seja qual for a regra, o receptor da mensagem deverá ser capaz de realizar a operação inversa: caso contrário, não poderá conhecer a informação que se quer transmitir. A regra para criptografar e decodificar é chamada chave criptográfica” (OLIVEIRA, p. 132). Agora vejam a Interpretação dos Sonhos de Freud: “a transformação dos pensamentos oníricos latentes no conteúdo manifesto do sonho merece toda a nossa atenção, visto ser esse o primeiro exemplo que nos é conhecido de transposição do material psíquico de um modo de expressão para outro, de um modo de expressão que nos é inteiramente inteligível para outro que só podemos chegar a entender com a ajuda de orientação e esforço” (FREUD, 2006, p. 663). Prossegue: “o próprio material dos pensamentos oníricos reunido para formar a situação do sonho deve adaptar-se, é claro, para esse fim. Deve haver um ou mais elementos comuns em todos os componentes” (FREUD, 2006, p. 668). “Grande parte do trabalho do sonho consiste na criação desse tipo de pensamentos intermediários, que são amiúde altamente engenhosos, embora frequentemente pareçam forçados; estes criam então um vínculo entre a imagem composta no conteúdo manifesto do sonho e os pensamentos oníricos, que são diversos em sua forma e essência e foram determinados pelos fatores motivadores do sonho” (Ibid., p. 670) “o elemento comum tem que ser descoberto, na maioria das vezes, através da análise. O conteúdo do sonho simplesmente afirma, por assim dizer: ’todas estas coisas têm em comum o elemento x’. A dissecação dessas formações mistas por meio da análise é frequentemente o caminho mais curto para descobrir o sentido de um sonho” (Ibid., p. 671). Esse elemento comum é precisamente a chave criptográfica, que permite ao código tanto ser criado quanto decifrado. A chave criptográfica é justamente um elemento comum que permite articular dois outros; mas esse elemento não é nem um, nem outro. Etimologicamente falando, ela é neutra: é a própria lógica real que permite articulações simbólicas (tal como Lacan disse que o real é que comanda a função da significância). Para dizer o termo, uma chave criptográfica tem a propriedade quântica do real, qual seja, a de ser bífida. É isso que faz ressoar o sintoma. E é isso que faz a informação se sintomatizar: a informação (o conteúdo latente – digamos, 0) entra em estado de superposição quântica, ou seja, bífida, e recai no seu Outro lado (conteúdo manifesto – digamos, 1). Mas a chave criptográfica não é 0 nem 1, é neutra, como o real do significante Um, quer dizer, do q-bit. A chave criptográfica é bem o que Lacan fala sobre a verdade dupla, o equívoco significante.

Dito isso, fica claro que Lacan poderia ter usado o recurso da teoria da informação quântica, uma vez que a razão quântica de bifididade é o que fundamenta o real do inconsciente freudiano. Até porque essa teoria é bem menos anedótica de que “L’inconscient est structuré comme um langage”. Na verdade, como diz MD Magno “L’Inconscient est strucuré comme on l’engage”: o mais abstrato e desconteudizado possível.



Então, para definitivamente conciliarmos a psicanálise e a teoria da informação, resta entender o materialismo ao qual Lacan se refere quando trata do significante.

Quando se fala em matéria em Física, atualmente a noção que se tem dela é simplesmente que ela é informação, assim como Susskind nos diz que é distinção entre as coisas: uma partícula de outra partícula, por exemplo. Slavoj Zizek fala da importância de se considerar a diferenciação como um puro formalismo, mas não como um idealismo em oposição a um materialismo físico. Não se trata de diferença entre físico e psíquico; esse ‘materialismo puramente formal’ é o próprio materialismo, ou seja, materialismo, para Zizek, é “materialismo da diferença. O traço mínimo do materialismo é a existência de diferença pura. Há um rombo, um antagonismo inerente à ordem do Um. O efeito primordial é a pura auto-diferença” (ZIZEK), que nada mais é do que a neutralidade da bifididade do q-bit. “Estou sendo muito preciso aqui. Auto-diferença, e não algum tipo de polaridade mitológica dos opostos: feminino/masculino, luz/escuridão, yin e yang, etc. (...) A multiplicidade [leia-se: oposição] já é um efeito da inconsistência do Um [leia-se: real] consigo mesmo, do fato de que o Um não pode coincidir consigo mesmo [bifididade]. Ou, para colocar de uma maneira ligeiramente diferente: não temos nenhuma polaridade primordial [no real], como masculino/feminino, luz/escuridão” (ZIZEK). Assim, esse materialismo formal indiscrimina se trata-se de algo físico ou psíquico; onde quer que as diferenças compareçam, há matéria. Por isso, é legítimo falar em matéria significante.

De modo que a materialidade da fala é o próprio falatório da matéria; a função da fala sendo a função da própria matéria: diferenciar o real, campo neutro da linguagem em que a matéria (fala) pode passar a antimatéria (dizer) através da bifididade quântica de seu próprio campo. Diremos então que a psicanálise é a formalização, cada vez menos “aned’otária” da “Função e Campo da Matéria e do Quântico”, o que é outra maneira de dizer “a Instância do Bit no Inconsciente ou a Razão desde o Quantum”, pra ficar com uma homenagem ao mestre Lacan: servindo-nos dele para dispensá-lo – ir além dele através dele...

Afinal de contas, se uma partícula, física, pode passar por dois lugares ao mesmo tempo, uma palavra também pode.



REFERÊNCIAS:


COUTINHO JORGE, M. A. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan, vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. ESB, vol. V. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

_____________. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

_____________. O Seminário, livro 23. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

_____________. O Seminário, livro 19. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.

_____________. O Seminário, livro 17. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.


MAGNO, MD. A Música. Rio de Janeiro: Aoutra ed., 1986.

___________. Ordem e Progresso por dom e regresso. Rio de Janeiro: Aoutra ed., 1987. 

OLIVEIRA, Ivan S. A Revolução dos Q-Bits. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

SEIFE, Charles. Decodificando o Universo. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

TEIXEIRA, Antônio. O Sonho da dessuposição de Fliess. Disponível em: http://www.institutopsicanalise-mg.com.br/psicanalise/almanaque/06/textos/Antonio.pdf

ZIZEK, Slavoj. The Reality of the Virtual. Entrevista disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=RnTQhIRcrno



[1] Representação planificada da contrabanda.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Morto Perpétuo

"Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer"

(Caetano Veloso, Panis et Circences)


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("Queda  D'Água", M.C. Escher)


Quero saber uma coisa: é possível haver experiência de nascimento e de morte para a espécie dita humana?

Perguntei a alguém (de 14 anos, diga-se de passagem) esses dias qual era a sua lembrança mais remota. Ela me respondeu que era ela brincando com um cachorro. Daí fiz a pergunta: você se lembra do seu nascimento? Obviamente, ela respondeu que não. Óbvio, porque não temos nem estrutura cerebral madura pra discernir coisas, tipo frio da fome, luz do toque, etc. E, segundo, e fundamental: há nascimento da existência?

Me explico: não é possível ter uma lembrança de seu nascimento porque não há como discernir a Existência (a partir do nascimento) da Inexistência (que é o que haveria antes do nascimento, ou seja, da existência enquanto tal). Nascer é a transição entre o antes e o depois da sua existência. Mas não é possível separar a Existência da sua própria existência: só existem coisas porque, antes de tudo, eu existe, eu é que experimento a existência; sem mim, não há existência. Dizer que 'há', é, antes de tudo, dizer que 'hei', pois, na verdade, não há distinção entre 'hei' e 'há'.

Por isso, como é possível existir algum momento entre a existência e a não existência? Dando um passo atrás, pergunto: como é possível sequer existir a inexistência? Isso foi o que Heidegger se perguntou quando disse: "por quê há o Ser e não antes o Nada?". Ora, mas isso é algo extremamente doentio, talvez a única Doença verdadeira do homem (grande triunfo, por sinal): ter feito essa pergunta. Pois é o seguinte: existir a não existência não é um paradoxo qualquer: ou a existência existe ou ela não existe! Ponto! Agora, se existir, o que quer que seja, é existência, e não inexistência! Isso é claro como águia. Isso quer dizer: a Existência não tem simétrico. Não existe a Inexistência, ou, em termos mais precisos, não há não haver. A experiência humana por excelência é precisamente a de Existir, de estar condenado a tal. Penso que existo: se penso, existe alguma coisa, e essa coisa que existe é o  meu pensamento, que pensa que existe! É a existência desse pensamento que sustenta a Existência em si. Então é: penso, logo existe.

Ora, se a Existência não tem simétrico, ela não surgiu do "nada", quer dizer, a Existência não 'passou a existir' a partir da Inexistência (que é o que poderia existir antes da Existência), isso porque não existe a Inexistência, de modo que a única coisa que existe e nunca deixou de existir é a própria Existência. Não há nascimento da Existência, pois ela é a única coisa possível de existir. Não houve momento em que a Existência não existiu. E, se como muitos físicos acreditam hoje, a minha existência é condição concomitante de toda e qualquer Existência, é com o meu nascimento, enquanto Bernardo, ou seja, um conteúdo da Existência, que a própria Existência se constitui (inclusive, e ao mesmo tempo, para mim).  Isso é o que o físico John Wheeler chamou de 'princípio antrópico participante', que supõe que "observadores são necessários para trazer o Universo ao Ser". Mas, ora, não é possível haver nascimento, pois não há passagem da Inexistência à Existência: sempre houve, sempre existiu - o que quer que seja. Por isso não é possível lembrar do seu próprio nascimento, porque simplesmente você não nasceu: você já estava aí quando do momento da sua 'primeira' lembrança. Quem nasceu foi o seu corpo. Pois não há lembrança do que havia antes do (seu) nascimento; nascer não é sair da barriga da mãe. É 'passar a existir'. Mas isso não existe: não existe Inexistência, a partir da qual surgiu a Existência. Você sempre existiu. Não há época da Existência em que eu não tenha existido, porque a Existência existe através da minha própria existência, ou seja, elas são a mesma coisa. Se ninguém tivesse lhe contado que você nasceu, e daquela mulher, se você nunca tivesse visto ninguém ser parido (deu pra entender?), você não ia achar que tinha 'passado a existir', ou seja, que você tinha nascido. Ia simplesmente entender que você existe, e não não existe, ou seja, que as coisas, inclusive eu mesmo, existem, e não o contrário. Você não se ocuparia de ter nascido, como diz a letra. 

Por isso, o nascimento existencial não é possível. É até engraçado, porque toda a discussão que gira em torno do aborto, por exemplo, é pra saber onde se dá o nascimento existencial de alguém... Mas só esse próprio alguém é que saberia quando ele não nasceu... E essa é a experiência mais subjetiva possível, sendo assim a experiência mais objetiva possível...

Nascer seria viver a transição entre a sua inexistência e a sua existência. Eu não posso viver o momento entre antes e depois de eu existir, porque simplesmente (eu) não existia antes de (eu) existir, então não há passagem entre essas duas coisas simplesmente porque não há duas coisas aí: há apenas a (minha) existência, sem antes. Por isso digo: só os outros nascem. Eu tenho a experiência do nascimento dos outros, mas não do meu próprio, isso me é vedado. E o dito nascimento dos outros são só as modificações da (minha) existência: as coisas mudam, e as mudanças entre seus antes e seus depois são os seus nascimentos, inclusive dentro da (minha) própria existência enquanto conteúdo, mas a Existência nunca muda: ela sempre existe, existiu e existirá.

Mas aí pode-se pensar: e se de repente, algum dia, parar de existir? É possível? Duas possibilidades: se isso acontecer, você está falando que a não existência existirá? Ou que a não existência não existirá? Se optar pela primeira, você diz que a não existência poderá existir, logo ela não será não existência: ela ainda será Existência (mesmo que seja da não existência). Se optar pela segunda, você diz que a não existência não poderá existir, logo só existirá a existência (como já é desde sempre). Ou seja, não é possível escapar da existência. Mas isso é tudo o que nós queremos: acabar com essa encheção de saco de existir. Pra que se dar ao trabalho? Freud chamou isso de Pulsão de Morte: tipo Macunaíma falava: "Ai, que preguiça!" de viver, de existir, que é a Preguiça fundamental do ser humano: quero passar a não haver, a não existir. Morrer equivale a passar à inexistência. Mas como ela não existe, é impossível morrer. Se quando seu corpo morrer e você for pro inferno, você não terá morrido: terá apenas ido viver no inferno. Outro tipo de vida, mas isso não é morrer: morrer é morrer mesmo, nada mais haverá e nem nunca terá havido. Mas, como há (e essa é a única experiência objetiva, quer dizer, subjetiva, que há), só há a existência, só há o Haver. Não há Não-Haver. Por isso, a 'reencarnação' tem que existir: se eu, Bernardo, morrer, acho que simplesmente a existência vai passar a se manifestar em um outro Fulano qualquer, seja na Índia, ou no México, ou em outro planeta, sei lá. Mas a existência não morrerá com a minha "morte": ela continuará em 'outra' pessoa, que já estará 'nascida' existencialmente, da mesma forma que eu já estava aí, na existência, quando da minha primeira memória. De modo que é como se a própria existência se (re)encarnasse a cada vida que 'nasce'. De modo que quem morre são os outros, como sabiamente escreveu em sua lápide o Marcel Duchamp. 

Então, apenas porque o Haver há e o Não-Haver não há, não existem nem Gênese (enquanto inexistência que passa a existência de repente), nem Apocalipse (como existência que passa a inexistência de repente): não há início nem fim desse nosso Morto Perpétuo... ou Vivo Perpétuo, dá na mesma...



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Humor alvo...


"I started a joke
Which started the whole world crying
But I didn't see
That the joke was on me, oh no

I started to cry
Which started the whole world laughing
Oh, if I'd only seen
That the joke was on me

I looked at the skies
Running my hands over my eyes
And I fell out of bed
Hurting my head from things that I'd said

Till I finally died
Which started the whole world living
Oh, if I'd only seen
That the joke was on me"

(Bee Gees, "I started a joke")


Recentemente, o filme "O Riso dos Outros" tem re-suscitado a questão sobre os limites - ou não - das piadas. Assim como acontece com programas de TV, livros, filmes, ideias e opiniões, sabemos que há piadas boas e piadas ruins. Mas o que as configuram como tais? Na verdade, para entender isso melhor, sem cair em senso comum (ou seja, tentando pensar em articulação), seria de bom tom perguntarmos: o que é uma piada? Como ela funciona?

Bom, começo a responder essas questões a partir dos depoimentos de quem entende do assunto e que figuram no filme: os próprios humoristas. Em seguida me debruçarei sobre o que eles disseram. Eis aqui o filme:



Logo no início, Mariana Ramelini diz: "Você ri de alguém que caiu na calçada. Isso é engraçado, porque é uma quebra de uma coisa que estava linear e de repente se quebrou. Quebras são engraçadas". Há também certo consenso entre os comediantes de que há uma matemática no humor: há timing, entonação, quer dizer, uma série de técnicas que cunham o cômico nas frases. Talvez podemos pensar que essa matemática do humor tenha a ver justamente com a consecução de uma quebra no seio do que se diz. Em seguida, há uma piada simplesmente sensacional feita por Rafinha Bastos, 'o infame': "fui no restaurante outro dia e pedi ao garçom: 'por favor, o sr. poderia embrulhar?', e o garçom pergunta: 'é pra viagem?', e eu disse :'não, é pra presente! Eu vou dar meio bife à parmegiana de Natal pra minha filha!'". Essa piada será nossa referência sobre a técnica, a lógica das piadas. 

Outro ponto que quero destacar é uma fala de Danilo Gentili, que diz o seguinte: "O comediante tem que ser uma prostituta que... o que eu quero é riso. Eu me vendo por riso, se você rir, eu tô falando". Em seguida, o filme começa a abordar piadas de gordos, negros, caricaturas e etc. Um dos entrevistados chamou a isso de humor preconceituoso, humor rasteiro. E os comediantes são unânimes em afirmar que as piadas têm um alvo: seja ele o negro, o gordo, a mulher, o governo, alguém famoso, um objeto, a própria lógica, etc. André Dahmer chega a dizer que "o ataque às minorias é uma regra do humor", mostrando o que o humor tem de agressividade. Ele também defende que, já que o humor tem um alvo, uma vítima, que ele bata nas pessoas certas, as que merecem apanhar, pois negros e mulheres, por exemplo, já apanharam demais.

Aos poucos, o filme vai tornando mais nítida a oposição no campo do humor entre as piadas preconceituosas e as não. As primeiras são piadas que reforçam "visões tradicionais", como Laerte afirma. Já Dahmer sumariza essa oposição: "o humor, tendo a capacidade de perpetuar certos preconceitos, também tem a capacidade de quebrar com certos preconceitos, ou de ridicularizar certos preconceitos". Assim, piadas de gordo, de gays, etc. são consideradas por muitos como preconceituosas e que não deveriam ser contadas, enquanto outros comediantes dizem que não estão incitando preconceito, estão apensas contando piadas e fazendo as pessoas se divertirem. Mas ao mesmo tempo, os comediantes contra esse tipo de piada falam que não é que o tema seja intocável; apenas há que se saber fazer melhor a piada para que ela não recaia no tipo preconceituoso. Então um comediante faz um distinção entre as piadas que riem de algo ou alguém e as piadas que riem com algo ou alguém, dando o seguinte exemplo: Woody Allen tem um filme em que fala seus avós, que viviam uma situação precária na Polônia por serem judeus. Quando Hitler se apossou do país, eles disseram: "finalmente as coisas vão melhorar". Esse mesmo humorista diz que essa piada não ri dos judeus, de seu sofrimento, mas ri com eles da desgraça da vida. Outro entrevistado diz que "você tem que saber de que lado da piada você está". 

Então o tema começa a se focar no politicamente correto/politicamente incorreto, e os comediantes (os que são considerados preconceituosos, politicamente incorretos), todos eles, falam em 'patrulha' do politicamente correto, que tenta cercear suas piadas, contra sua liberdade de expressão. Nesse ponto Idelber Avelar, professor de Literatura nos EUA, pondera que essa história de patrulhamento é usada por essas pessoas em relação a quem simplesmente tem opiniões diferentes das delas. Aí aparece uma piada: dois caras no palco, um preto, um claro. Após o segundo chamar o primeiro de negro, pessoas riram e o negro fala: "acho que cabe um processo aqui. Em quem falou e em quem riu. Porque agora não se pode chamar um coleguinha de negro, agora vocês são obrigados a me chamar de 'afro-descendente'. Essa lei mudou minha vida, eu conquistei respeito. Pois quando eu derrubo suco na mesa, agora me falam: 'só podia ser afro-descendente!'". Um dos comediantes que conta piadas preconceituosas diz a seguinte frase: "se você quer eliminar palavras preconceituosas, então que se elimine o preconceito, e não as palavras!". Em seguida, um comediante que não é a favor dessas piadas diz: "não é a palavra em si; é o que ela carrega. Agora, uma palavra que sempre foi usada pra desqualificar, e se você a usa, você sabe que essa palavra tá carregada". Jean Wyllys, deputado federal, diz que "os comediantes têm que ter a liberdade de fazer a piada, mas eles não podem achar que não podem ser contestados. Você tem todo direito de fazer sua piada, mas agora pague o preço de ser chamado de babaca, de racista, homofóbico; se defenda, se explique, refaça e reveja seu humor". Outra senhora diz que a piada não está acima do bem e do mal, ela pode ser criticada. Os humoristas muitas vezes são processados e perdem causas, sendo proibidos de falarem suas piadas; caso digam são multados por palavra que dizem. Os que contam piadas preconceituosas chamam isso de censura. Outros falam em limites da liberdade.

Laerte então entra com um termo precioso para nós aqui: "negociação da ofensa". Quando se conta uma piada é necessário ter para com o público uma certa negociação da ofensividade da piada, pois pode ter uma plateia que seja composta, digamos, de negros, a as piadas passarem e todos se divertirem; mas também é possível que as pessoas se sintam ofendidas. Isso depende de várias coisas, e Laerte diz que depende do momento histórico. "Em alguns momentos históricos, certas ofensas são, sim, passíveis de processo", diz.

A questão que surge então é: uma piada é só uma piada? Os considerados preconceituosos dizem que sim, e que não eles têm que ter responsabilidades, pois uma piada é só uma piada, pra fazer as pessoas rirem, sem levar a sério demais, etc. Já os politicamente corretos dizem que não, pois a piada tem um poder político muito grande e ajudam ou a solidificar tradições e preconceitos ou a criticá-los. Os primeiros tem o argumento de que "se vocês não rissem, eu não contava a piada", mostrando como é possível calá-los. Mas o povo ri... Como diz um dos comediantes: "quem se curva demais ao público fica de quatro pra ele". Dahmer: "é um humor imbecil porque dá mais audiência ou dá mais audiência porque é imbecil?"

Agora passo a meu comentário.

Começo tentando responder, de um ponto de vista psicanalítico, o que possa ser a piada, e o seu mecanismo. Freud dedicou um livro inteirinho à questão, para demonstrar que a piada tem um propósito inconsciente, ou seja, sempre implica outra coisa para além do que se diz. Isso é fácil de demonstrar com as piadas que vimos no filme. A piada do embrulho por exemplo. Como dizem os comediantes, qual é o alvo da piada? À primeira vista poderia-se falar que é o garçom, pois ele é o personagem de quem o piadista fala. No entanto, psicanaliticamente, temos que considerar a palavra 'embrulho' como o que foi deveras atingido no texto da piada. Pois se quando o cliente pede que se embrulhe, ele significa que é pra viagem, devido ao contexto em que a fala se encontra: dentro do restaurante, após uma refeição em que há sobra de comida. O termo 'embrulho' é sintomatizado (ou seja, 'carregado') como 'embrulho pra viagem'; fica meio que difícil que se use o termo embrulho para designar outra coisa qualquer que não seja 'pra viagem'. Mas quando o garçom comete uma redundância nesse contexto ('embrulhar pra viagem?'), o piadista se aproveita desa redundância para então subverter o contexto da palavra 'embrulhar' para mostrar ao garçom sua redundância - que não é seu erro, como muitos diriam, mas apenas o modo como ele comparece. Tal como Ramelini diz que a piada promove uma quebra... do sentido contextual daquele alvo. A piada serve para que o garçom se dê conta do modo como ele comparece e possa se refletir nisso. Apesar de que pode também servir para chamar o garçom de burro, dependendo do modo como a piada é dita, como tom de voz, melodia da voz e etc. Mas o mecanismo da piada é o de, a partir de uma indiferenciação de seu alvo (no caso a palavra 'embrulhar' é esvaziada de seu contexto 'para viagem', e daí pode seguir várias direções semânticas, mas nesse momento de esvaziamento ela está num limbo entre significações e isso é a indiferença: lugar das possibilidades), surgir com uma diferença (o outro contexto, 'pra presente'). Esse é o mecanismo fundamental da mente das pessoas: para qualquer opinião, neurose, crença, coisa que compareça na mente, é possível esvaziar seu conteúdo para dar lugar à possibilidade de surgimento de outro. Esse é o mecanismo central da piada, a que os comediantes se referem como matemática do humor. Essa lógica fundamenta tanto o humor politicamente correto (que chamaremos de bom humor) e o incorreto (mau humor). Se algum humor é bom ou mal, depende apenas do modo com que se lida com o mecanismo neutro da piada. 

De modo que, mesmo sendo neutro o mecanismo da piada, a ampliação de possibilidades de sentido que ela coloca pode ser contextualizada em uma restrição das possibilidades semânticas quando ela se presta a repetir padrões estabelecidos socialmente, por exemplo. Isso acontece principalmente quando as piadas ficam restritas a determinados alvos já consagrados, como negros, gays, etc. Ou seja, quando o alvo não muda. A chamada piada preconceituosa é simplesmente a excessiva sintomatização dos alvos das piadas, ou seja, sua exaustiva repetição. Uma piada, em seu mecanismo fundamental, traz a diferença para o seio da fala. Piadas sobre negros, gays, têm sido excessivamente contadas e perdem seu caráter de inovação, de diferenciação, pois essas piadas apenas fazem coisas diferentes dentro de uma lógica preconceituosa, e não incluem o próprio preconceito como piada, ou seja, não o tornam passível de subversão. Então, isso é o que vai solidificando o CONCEITO (nada de pré - é conceito, decantado e instalado socialmente, como o racismo): apenas inovar nas maneiras de manter os negros ou os gays na pior, mas não fazer referência ao próprio ato de colocar o negro na pior. Um exemplo de bom humor (aquele que subverte e critica preconceitos) seria "por quê macho só faz piada de viado? Pra rir de si mesmo...".  Agora a mesma piada, com mau humor: "por quê macho só faz piada de viado? Porque bater em gay é contra a lei...". Assim, a oposição bom humor x mau humor é o que um dos comediantes destacou brilhantemente com a oposição "rir de" (mau humor) x "rir com" (bom humor). Rir de alguém é usar a indiscriminação do mecanismo da piada (pois a piada não se importa se está fazendo bom ou mau humor) para reforçar discriminações, ou seja, diferenças dos contextos. Por exemplo, a piada do embrulho, dependendo do modo que for contada, serve pre chamar o garçom de redundante, que facilmente escorrega pra burro, analfabeto, etc., o que acaba discriminando-o: nós , que contamos e rimos da piada, não somos burros, como ele. Mas se contada de outra forma, a piada pode simplesmente ignorar o fato de que se trata de um garçom e se focalizar mais na lógica do que foi dito, sem discriminar quem o disse. Aí a piada indiferencia quem disse a redundância, para se ocupar apenas da redundância no seu substrato, o que significa rir com o próprio garçom, e não rir dele. 

O problema nisso é saber se uma piada vai rir de ou rir com alguém. Isso é calculável, mas não completamente de antemão: as possibilidades de reação do momento histórico, do dia, da plateia, são demais para um humorista saber completamente o que está fazendo, e nisso corre o risco supremo da piada: o apedrejamento. Ou seja, é só depois de a piada ser contada que se saberá se é uma piada que ri com ou ri de alguém. Isso porque, como brilhantemente pontuou Laerte é necessário, em cada vez que se conta uma piada, negociar a ofensa com seu público. Eis o segredo de um Humorista (com maiúscula): sabe fazer passar aonde quer que vá tanto o bom quanto o mau humor. E não se restringir a apenas ao mau humor, principalmente: indiferenciar as piadas de bom ou mau humor, todas são válidas. O preconceito com o qual as atuais piadas de negros, índios, etc estão carregados se deve ao fato de que  essas são a grande maioria das piadas que se contam. É necessário fazer piadas com mais coisas, para que aí as piadas de negros e gay sejam apenas mais uma em um caldeirão onde circulam piadas sobre os próprios preconceituosos também. Isso dilui o peso de se contar uma piada sobre negros que, afinal de contas, também têm o direito de serem o alvo da piada, tanto quanto o branco...   Assim, essa negociação da ofensa tem que ser o mais ampla possível, para que qualquer coisa se torne risível, e não que haja um movimento de impedimento da circulação das expressões, da circulação do que é risível. Pois como disse um dos comediantes que não gosta de piadas sobre homossexuais, (porque não lhe parece ter graça a preferência sexual de alguém): "que então ria de um filme pornô"! E porquê não? Quem sabe daqui a alguns séculos ou milênios o sexo não vira um motivo de riso entre os seres humanos... Ou quem sabe nem precisaremos de piadas mais, não precisaremos de rir mais... 

Então, ao invés de se propor que calem as piadas de mau humor, penso que mais importante é incluir mais piadas de bom humor e fazer páreo contra aquelas. Ambas as piadas fazem rir, e com um bom negociante de ofensas (que é o nome do humorista, do bufão), tudo se torna possível de risada... sem preconceito... Por exemplo, a piada que Pedro Caruso conta: "Pessoas que tentam te convencer de que você é viado. Vou explicar: eu gosto de caipirinha de morango. Aí, toda vez que saio com amigos meus e peço uma eles falam: 'caipirinha de morango? seu viado!' Isso pra mim é claramente fruto de um pensamento machista e preconceituoso. Eu duvido que a mesma coisa aconteceria se fossem dois gays, duvido que um gay iria encher o saco do outro por conta da bebida que ele bebe. Tipo 'caipirinha de limão? Seu machão!!! Aiaiai, só falta chupar buceta agora, né?'". Me pergunto o seguinte: porquê um gay não faria uma piada 'gayista'? Gays não fazem ou não podem fazer esse tipo de piada? Pra mim, essa piada é muito interessante porque, ao mesmo tempo em que critica o machismo (só machos fazem piadas sexistas) restringe os gays no seu senso de humor (contar piadas sexistas é só coisa de macho mesmo? Gay não pode?). Pois eu acho que os gays tinham, sim, que fazer mais piadas desse tipo, mais mau humor para com quem faz mau humor. Isso é responder às piadas machistas à altura delas, ou seja, se utilizando da mesma lógica machista de contar piadas sexistas, mas não em relação aos gays (que é o sentido tradicional), e sim com os próprios machistas (que é a 'quebra' a que Rimelini se refere). E é até por isso que essa piada é engraçada e de bom humor: subverte o que se espera dos gays e no entanto abre mais possibilidades comportamentais para eles, pois gays podem, sim, contar piadas gayistas, além de criticar o machismo. Essa piada é meio dúbia entre perpetuar um preconceito (de que gays não contam piadas sexistas) e ridicularizar outro (machos que contam piadas sexistas). Sempre tentando negociar as ofensas, mas já sabendo do risco que se corre de ser processado, xingado etc. Talvez se as piadas de bom humor fossem tão populares quanto as de mau humor, o peso opressor que elas contém quanto ao preconceito seria diluído e elas pudessem circular livremente, pois assim como disse um dos comediantes "se você quer eliminar palavras preconceituosas, então que se elimine o preconceito, e não as palavras!". Isso é claro na piada do afro-descendente: recalque uma palavra pesada e a substituta mantém o lastro, quer dizer: troquei seis por meia dúzia. Ou seja, não elimine as piadas, elimine o preconceito e tudo será risível, indiscriminadamente: sem carga discriminatória excessiva e exclusiva sobre os velhos "cachorros mortos" (como disse um dos entrevistados) que sempre apanham das piadas: negros, índios, oprimidos, etc. Se se distribuíssem mais os alvos das ofensas humorísticas, elas seriam muito mais negociáveis, porque doeriam menos para cada alvo (tipo uma 'distribuição de renda' dos alvos)... poderiam inclusive fazer cócegas... 

Que riamos do máximo possível, com o máximo possível. Rir de tudo rindo com todos: indiferentemente - pois não somos todos iguais, mas não é necessário nos discriminarmos por isso. Como diz o judeu da Escolinha do Professor Raimundo: "fazemos qualquer negócio". Que negócio? A política [cf. posts abaixo sobre o tema, como "Brasil, Um País de Quem?"] do riso, ou seja, a negociação das ofensas. Isso porque uma piada não é só uma piada:


'uma piada é uma piada é uma piada'... (Como quem lê Gertrude Stein)




PS: A palavra 'alvo' significa branco também...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Machismo Baitola


É algo realmente interessante: Apareceu uma foto no Facebook, postada pela revista australiana Zoo Weekly. Esta aqui: 

Foto sexista é criticada no Facebook e retirada da rede social (Foto: Reprodução/Buzzfeed)

Embaixo da imagem, a seguinte pergunta, dirigida aos homens: 'qual das partes você prefere?'. Obviamente, as respostas foram as mais hilárias: "a da direita, pois dois buracos é melhor do que um', disse alguém. Outro: 'a da esquerda, pois ainda poderia me fazer um sanduíche', e etc. Aí, os fiscais da propaganda exigiram à justiça australiana que removesse a imagem do Facebook, sob a alegação de que é inaceitável para as mulheres serem tratadas como objeto. E assim foi feito. 

Bom, primeiro digo que para além do corpo em si, a oposição que a foto comporta é entre a parte da mulher que fala e a parte que interessa: o sexo dela. É a famosa oposição corpo/mente. Claro que as respostas masculinas, como exemplificado acima, tendem para a direita. Não interessam as chatices femininas, não interessa o que ela fala, o negócio é bu@#$#: essa foi a mensagem dos homens. Daí vem o alegado sexismo, machismo, que a fiscalização denunciou. 

Agora, vejamos o que os homens querem (pra contrariar Freud um pouquinho). O fato de a maioria esmagadora deles escolherem o corpo da direita mostram que eles querem uma vagina ao invés de uma boca. Quer dizer, os homens querem o corpo da mulher e não o discurso, a fala chata dela. 

Mas sabemos desde a psicanálise que sexo não é diferença anatômica, corporal, física. Sexo é uma relação da linguagem; uma pessoa só se constitui como homem ou mulher na e pela linguagem. Ser 'homem' e ser 'mulher' (inclusive esses nomes para os diferentes sexos estão muito estupidificados, sintomatizados), são modos lógicos de se situar na linguagem. Nada mais. Um corpo macho ou fêmeo pode pressionar - e o faz - para o lado masculino ou feminino. Mas o corpo, quando empurra, empurra para uma posição lógica na linguagem. É só ver o que essa foto está dando a chance de percebermos: os homens escolhem apenas o corpo fêmeo, mas não escolhem o que determina a feminilidade daquele corpo fêmeo: a boca do corpo, de onde ele fala, de onde ele pode ser homem ou mulher. Porque para esses homens, que tratam a mulher como objeto, só interessa o corpo, e não a mulher. Papo, conversa?Só de homem... É igual eu vi numa propaganda da Kaiser, chamada "mulheres 'diferentes'": as mulheres gostosas falando o que os homens falam: tipo fazendo cantadas que os homens fazem e convidando pra assistir futebol e tal. Essa propaganda mostra precisamente a homossexualidade desses caras que tratam mulheres como objeto: o que eles gostariam mesmo é de foder um homem num corpo de mulher. É isso o machismo.

Mas o que me espanta é a hipocrisia geral da galera. O Facebook vai, recebe uma reclamação de machismo e tira a foto do ar. Tá. Isso porque são homens tratando a mulher como objeto. Mas pouco é falado sobre como que as próprias mulheres são machistas e tratam a si mesmas como objeto. É mulher-pêra, mulher-melancia, mulher-morango... Colocam dois litros de silicone na bunda, no peito (e tem uma brasileira que é caso famoso no mundo, quase morreu de OVERDOSE DE SILICONE...), no lábio, na vagina, e onde quer que caiba. Fora as joias de marca, brincos enormes, colares espalhafatosos, e todos os objetos que elas vestem (ou melhor, incorporam) para serem mais mulher que as outras... Depois não querem ser tratadas como objeto: a bunda siliconada, o rosto botocado, o peito turbinado, etc... As mulheres machistas tentam ser mulheres pela via mesma desses objetos que (el)as consomem: maquiagem, botox, silicone, etc. Chamo-as machistas porque elas se tornam o que os homens querem: bunda, peito e partes. Aí, a mulher posta um foto no Facebook toda-toda, como se fosse a parte direita daquela foto australiana, nitidamente se objetalizando, e é tranquilo. Aliás, não é só no Facebook não... As ídolas sexuais brasileiras são assim, e ninguém as acusa de sexismo, objetalização, machismo, de contribuírem para a lógica machista... Não, elas são glamurosas, divas, etc. Parece que as mulheres se permitem se tratar como objeto, mas os homens não o podem. Muitas vezes, as mulheres são mais machistas que os homens... É tipo a história da manicure negra que não fazia unha de preto (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/manicure-negra-se-orgulha-de-ser-racista-nao-faco-unha-de-preto.html).

Então, sexismo não é um preconceito entre os diferentes sexos anatômicos, mas sim preconceito entre as sexualidades do discurso. E chamar essas sexualidades discursivas de 'homem' e 'mulher' é a piada maior... e o pior é que as pessoas acreditam nisso, pois 'homem' é quem tem pinto e gosta de futebol e 'mulher' é quem não tem e gosta de sapato. Podiam se chamar X e Y que dava na mesma... ou 0 e 1.  É só observar em vários casais, anatomicamente homossexuais, que a mesma historinha caseira de papai-e-mamãe se repete: um é o 'homem' da relação e o outro é a 'mulher'. São heterossexuais que gostam do mesmo tipo de corpo (macho pros baitolas e fêmeo pras lésbicas), tal como machistas em geral são homossexuais.

Repito, o sexo de alguém não é subordinado a nenhuma configuração anatômica com o qual se nasce. E também não é, como diz o deputado militante do LGBT, Jean Wyllys, uma opção discursiva com a qual se nasce - identificado com a própria homossexualidade que ele é. Não, as pessoas se constituem sexualmente, e podem mudar de X a Y na medida de seu (im)possível pessoal. Homens e mulheres são os sintomas da sexualidade humana, a qual está para além deles: o que as pessoas querem mesmo é foder com a Morte - vide Pulsão de Morte em Freud: essa é que é a essência do Tesão humano. 

Comercial mostrando o que é o homem:




Comercial mostrando o que é a mulher: